terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

A teoria política de John Locke



Locke nasceu em 1632. Depois de se ter formado na Westminster School, fez o mestrado no Christ Church, Oxford, em 1658. Formou-se em medicina, tendo-se tornado o médico de Lord Shaftesbury, membro do círculo íntimo do rei Carlos II. Carlos regressara do exílio em 1660, numa onda de reacção popular contra a tirania e a austeridade do regime cromwelliano. No entanto, à medida que o seu reinado progredia, a realeza tornava-se cada vez menos popular, especialmente porque o herdeiro do trono, Jaime, o irmão do rei, era um católico firme. Shaftesbury chefiou o partido liberal, que procurava excluir Jaime da sucessão; teve de fugir do país, depois de, em 1683, ter estado implicado numa conspiração contra os irmãos reais. Locke acompanhou-o à Holanda e passou os anos de exílio a compor a sua mais importante obra filosófica, o Ensaio sobre o Entendimento Humano, publicado em diversas edições nos últimos anos da sua vida.

Em 1688, a "Gloriosa Revolução" afastou Jaime II e substituiu-o por Guilherme de Orange, fazendo assentar a monarquia numa nova base legal, com uma Carta de Direitos e um reforço dos poderes do Parlamento. Locke seguiu Guilherme para Inglaterra, tornando-se o teorizador do novo regime. Em 1609, publicou Dois Tratados sobre o Governo Civil, que se tornaram dois clássicos do pensamento liberal. Na década de 90, trabalhou na Câmara de Comércio, tendo morrido em 1704.

No primeiro dos seus Tratados, Locke descarta rapidamente a tese de Filmer a favor do direito divino dos reis. O erro fundamental de Filmer é negar que os seres humanos sejam naturalmente livres e iguais entre si. No segundo Tratado, apresenta o seu próprio ponto de vista acerca do estado de natureza, que contrasta de forma interessante com o de Hobbes.

Antes de haver estados capazes de promulgar leis, defende Locke, os homens têm consciência da existência de uma lei natural, que os ensina que todos os homens são iguais e independentes e que ninguém deve prejudicar outra pessoa na sua vida, saúde, liberdade ou propriedade. Estes homens, que não têm na Terra ninguém que lhes seja superior, encontram-se num estado de liberdade, mas não num estado de indisciplina. Além de estarem obrigados pela lei natural, os seres humanos possuem direitos naturais, em particular o direito à vida, à autodefesa e à liberdade. Também têm deveres, em particular o de não prescindirem dos seus direitos.

Um direito natural significativo é o direito de propriedade. Deus não confere propriedades particulares a indivíduos particulares, mas a existência de um sistema de propriedade privada faz parte dos planos de Deus para o mundo. No estado de natureza, as pessoas adquirem propriedade "misturando o seu labor" com os bens naturais, recolhendo água, apanhando frutos ou lavrando a terra. Locke considerava haver um direito natural, não apenas de adquirir, mas também de herdar propriedade privada. Locke é, obviamente, muito menos pessimista do que Hobbes no que diz respeito ao estado de natureza. O seu ponto de vista assemelha-se bastante mais ao optimismo do posterior Ensaio sobre o Homem, de Pope.
Nem julgueis que no Estado de Natureza caminhavam cegamente;
O estado de Natureza era o reino de Deus:
O amor-próprio e a sociedade começaram com o seu nascimento,
Sendo a união o laço entre todas as coisas e entre os Homens.
Orgulho não havia; nem Letras, que aumentam o Orgulho;
O Homem caminhava ao lado da besta, a sombra partilhando;
A mesma era a sua mesa e a mesma a sua cama;
Nenhum crime o cobria nem alimentava.
No mesmo templo, de retumbante madeira,
Os seres providos de voz cantavam hinos ao Deus de todos.
No estado de natureza, contudo, o homem apenas tem um domínio precário sobre qualquer propriedade mais substancial do que a sombra que partilha com os outros animais. Qualquer pessoa pode aprender os ensinamentos da Natureza; e quem transgride a lei da Natureza merece ser punido. Mas, no estado de natureza, cada um tem de ser o juiz do seu próprio caso, e poderá não existir alguém com poder suficiente para punir os prevaricadores. É isto que conduz à instituição do estado. "O grande e principal objectivo dos homens que se unem em comunidades e se submetem aos governos é a preservação da sua propriedade; e ao estado de natureza poderão faltar muitas coisas para se cumprir este desígnio."

O estado é criado recorrendo a um contrato social, em que os homens entregam a um governo os seus direitos, para se assegurarem de que a lei natural é levada à prática. Entregam a um poder legislativo o direito de fazer leis tendo em vista o bem comum e a um poder executivo o direito de executar estas leis. (Locke tem consciência da existência de boas razões para separar estes dois ramos do poder.) A decisão acerca da forma particular de poder legislativo e executivo deve ser tomada pela maioria dos cidadãos (ou, pelo menos, pela maioria dos detentores de propriedade).

O contrato social de Locke difere do de Hobbes em vários aspectos. Ao contrário do soberano de Hobbes, os governantes de Locke também participam no contrato inicial. A comunidade confia ao tipo de governo escolhido a protecção dos seus direitos; e, se o governo atraiçoar a confiança nele depositada, o povo pode afastá-lo ou alterá-lo. Se um governo agir arbitrariamente, ou se um ramo da governação usurpar o papel de outro, o governo será dissolvido, e a rebelião será justificada. É óbvio que Locke tem aqui em mente o regime autocrático dos reis Stuart e a Gloriosa Revolução de 1688.

Locke estava, implausivelmente, convencido de que os contratos sociais do tipo por ele descrito tinham sido acontecimentos históricos. Mas afirmava que a manutenção de qualquer governo, independentemente de como fosse constituído, dependia do consentimento permanente dos cidadãos de cada geração. Este consentimento, admite o filósofo, raramente é explícito; mas o consentimento tácito é dado por todos aqueles que usufruem dos benefícios da sociedade, quer aceitando uma herança, quer meramente viajando numa estrada. A cobrança de impostos, em particular, deve assentar no consentimento: "O poder supremo não pode retirar a nenhum homem nenhuma parte da sua propriedade sem o seu consentimento."

As ideias políticas de Locke não eram originais, mas a sua influência foi grande, e manteve-se muito depois de as pessoas terem deixado de acreditar nas teorias do estado de natureza e da lei natural que as sustentavam. Quem conhecer a Declaração de Independência e a Constituição Americana encontrará nelas um grande número de ideias, e até de expressões, de Locke.


Fonte:
Anthony Kenny - Universidade de Oxford - 

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Sobre o pensamento de Thomas Hobbes


#Hobbes quis fundar a sua filosofia política sobre uma construção racional da sociedade, que permitisse explicar o poder absoluto dos soberanos. Mas as suas teses, publicadas ao longo dos anos, e apresentadas na sua forma definitiva no Leviatã, de 1651, não foram bem aceitas, nem por aqueles que, com Jaime I, o primeiro rei Stuart de Inglaterra, defendiam que «o que diz respeito ao mistério do poder real não devia ser debatido», nem pelo clero anglicano, que já em 1606 tinha condenado aqueles que defendiam «que os homens erravam pelas florestas e nos campos até que a experiência lhes ensinou a necessidade do governo.» A justificação de Hobbes para o poder absoluto é estritamente racional e friamente utilitária, completamente livre de qualquer tipo de religiosidade e sentimentalismo, negando implicitamente a origem divina do poder.
O que Hobbes admite é a existência do pacto social. Esta é a sua originalidade e novidade.

Hobbes não se contentou em rejeitar o direito divino do soberanos, fez tábua rasa de todo o edifício moral e político da Idade Média. A soberania era em Hobbes a projecção no plano político de um individualismo filosófico ligado ao nominalismo, que conferia um valor absoluto à vontade individual. A conclusão das deduções rigorosas do  pensador inglês era o gigante Leviatã, dominando sem concorrência a infinidade de indivíduos, de que tinha feito parte inicialmente, e que tinham substituído as suas vontades individuais à dele, para que, pagando o preço da sua dominação, obtivessem uma protecção eficaz. Indivíduos que estavam completamente entregues a si mesmos nas suas actividades normais do dia-a-dia.

Na obra Leviatã, explanou os seus pontos de vista sobre a natureza humana e sobre a necessidade de governos e sociedades. No estado natural, enquanto que alguns homens possam ser mais fortes ou mais inteligentes do que outros, nenhum se ergue tão acima dos demais por forma a estar além do medo de que outro homem lhe possa fazer mal. Por isso, cada um de nós tem direito a tudo, e uma vez que todas as coisas são escassas, existe uma constante guerra de todos contra todos (Bellum omnia omnes). No entanto, os homens têm um desejo, que é também em interesse próprio, de acabar com a guerra, e por isso formam sociedades entrando num contrato social.

De acordo com Hobbes, tal sociedade necessita de uma autoridade à qual todos os membros devem render o suficiente da sua liberdade natural, por forma a que a autoridade possa assegurar a paz interna e a defesa comum. Este soberano, quer seja um monarca ou uma assembleia (que pode até mesmo ser composta de todos, caso em que seria uma democracia), deveria ser o Leviatã, uma autoridade inquestionável. A teoria política do Leviatã mantém no essencial as ideias de suas duas obras anteriores, Os elementos da lei e Do cidadão (em que tratou a questão das relações entre Igreja e Estado).

Thomas Hobbes defendia a ideia segundo a qual os homens só podem viver em paz se concordarem em submeter-se a um poder absoluto e centralizado. Para ele, a Igreja cristã e o Estado cristão formavam um mesmo corpo, encabeçado pelo monarca, que teria o direito de interpretar as Escrituras, decidir questões religiosas e presidir o culto. Neste sentido, critica a livre-interpretação da Bíblia na Reforma Protestante por, de certa forma, enfraquecer o moada pelo estudioso Richard Tuck como uma resposta para os problemas que o método cartesiano introduziu para a filosofia moral. Hobbes argumenta que só podemos conhecer algo do mundo exterior a partir das impressões sensoriais que temos dele("Só existe o que meus sentidos percebem") Esta filosofia é vista como uma tentativa para embasar uma teoria coerente de uma formação social puramente no fato das impressões por si, a partir da tese de que as impressões sensoriais são suficientes para o homem agir em sentido de preservar sua própria vida, e construir toda sua filosofia política a partir desse imperativo.

Hobbes ainda escreveu muitos outros livros falando sobre filosofia política e outros assuntos, oferecendo uma descrição da natureza humana como cooperação em interesse próprio. Foi contemporâneo de Descartes e escreveu uma das respostas para a obra Meditações sobre filosofia primeira, deste último.

FONTE:
mundociencia.com.br
cefetsp.br