sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Até quando?

Estudantes chegam na escola para o primeiro dia de aula e nem suspeitam que os colegas de classe são, realmente, atores contratados para um projeto científico. A aula começa e, alguns minutos depois, alguém de fora grita que há um incêndio e, logo em seguida, o alarme é acionado. Os atores continuam inertes, fingindo que nada acontece e continuam no local. Assim como os atores, as “cobaias” permanecem inertes: “estão contaminadas pelo clima de que nada de grave está acontecendo.”
Em outro contexto, com outras “cobaias”, o mesmo alarme de “incêndio” é aplicado. Agora, os atores entram em pânico, que logo influencia as “cobaias”. E todos, desesperados, abandonam desesperadamente seus lápis e fogem do “fogo”.
Ao lembrar dessa experiência fui conduzido a pensar sobre  a noção de “comportamento de manada” (que acabei tendo que estudar em alguns artigos acadêmicos) e do exemplo da escritora sul-africana Ingrid Jonker, que viveu na África do Sul dos anos 1960, época em que a opressão do Apartheid era ainda ocultada pela harmonia vendida por quem tentava manter a ordem vigente. “Ainda que a ordem vigente fosse separar brancos de negros, e manter estes à míngua (e à distância) de toda sorte de direitos.”
Se tivesse seguido a “manada”, na vida e na escrita, possivelmente Ingrid não tivesse sido homenageada por Nelson Mandela, como uma das grandes referências da libertação da África do Sul. Ela não precisou pegar em armas, mas transgredir, por meio da literatura, as jaulas que a prendiam em sua época. Na visão de Ingrid, autora praticamente desconhecida no Brasil, esta era uma missão dupla: seu pai era um político conservador que via a exclusão dos negros como algo necessário. Era também responsável pelo departamento de censura do governo. Escrever para mudar o mundo não era mais desafiador para ela do que convencer o pai sobre as atrocidades de sua época. Seu primeiro livro é dedicado ao pai, que a rejeita. “Para ele, a filha era sua própria negação.”
Seriam apenas palavras contra um país tomado por leis desumanas? Absolutamente, não! Logo, as palavras se espalharam pelos guetos, grupos de intelectuais, e pelo mundo que começava a enxergar a realidade. Alguém ali avisava que um país estava desmoronando.
Lembrei de uma formatura, da minha infância. Me recordo de ter jurado algo como: “eu prometo ser honesto, honrar os mais velhos, manter a ordem e o respeito, cuidar dos mais novos” e uma sequência de blábláblá que toda a classe repetia, como cordeirinhos. Apenas crianças, mas que assumiam o compromisso de que, “acontecesse o que acontecesse, jamais romperíamos a ordem que nos acabava de ser entregue.”
A pura reprodução de seres dóceis, “incapazes” de realizar mudanças em seu próprio tempo e espaço (o “pacato cidadão” do Skank). Tudo o que é contrário é rotulado de desobediência ou anarquia.
Uma garota chamada Julia me disse certa vez que “uma sutil censura se impõe quando você expressa sua opinião sobre alguma coisa mais profunda. Todos olham para o chão, ou torto ou simplesmente se calam. Se por um lado existe o imbecil politicamente incorreto, por outro há uma legião de hipócritas politicamente corretos”, e ela tem razão. Apesar disso, eu não preciso de uma “manada” para agir. Não preciso do “exemplo” dos “atores” sociais para poder correr quando tudo estiver pegando fogo. Eu nem preciso da droga do alarme de incêndio. Se a minha “arma” for uma caneta e um papel eu vou procurar usar da melhor forma possível e tentarei “convencer”, com muito amor, o meu pai a questionar a sociedade em que vivemos.

Não me rotulo como um idealista, revolucionário ou qualquer coisa do tipo. Não preciso disso. Sou apenas um cara inconformado com certas coisas. E que, apesar dessas “certas coisas” erradas, não desistiu de sonhar com uma humanidade menos desumana. Concordo com aquilo que canta “O Pensador, Gabriel”: “Muda que quando a gente muda o mundo muda com a gente. A gente muda o mundo na mudança da mente. E quando a mente muda a gente anda pra frente; e quando a gente manda ninguém manda na gente! Na mudança de atitude não há mal que não se mude nem doença sem cura. Na mudança de postura a gente fica mais seguro. Na mudança do presente a gente molda o futuro!” Um pouco de poesia urbana é sempre bom pra ajudar a gente a pensar diferente da "manada".

*Indico o filme "Borboletas Negras",  dirigido por Paula von der Oest, que conta a história de Ingrid Jonker (interpretada por Carice van Houten).

sábado, 5 de outubro de 2013

Humanos "direitos"

De fato, como escreveu Matheus Pichonelli para a Carta Capital, a cena do Capitão Nascimento, com o coturno na garganta do traficante “Baiano”, entregando a escopeta nas mãos do Soldado Mathias estabelecendo a execução do bandido, teve como efeito a euforia generalizada nas salas de cinema espalhadas pelo país. Como num estádio lotado em final de campeonato, “houve quem se levantasse e aplaudisse a cena de pé, algo inusitado para uma sessão de cinema”. O mesmo país que se colocava de pé pelos direitos humanos para humanos direitos estava de braços cruzados.

O diretor da produção cinematográfica, José Padilha, precisou “desenhar”, em Tropa de Elite 2, “que aquela escopeta estava voltada, na verdade, para o rosto do povo brasileiro. Entretanto, parece que mesmo diante do “desenho” o povo se demonstrou incapaz de refletir e “entender que a tortura, os sacos plásticos e a justiça por determinação própria eram a condenação, e não a redenção, de um país de tragédias cotidianas”. Nas duas produções, todos estavam, de alguma forma, envolvidos na criminalidade – corruptos e corruptores, produtores e consumidores, eleitos e eleitores, eu e você – mas só alguns eram executados.

O saco de tortura, a bofetada na cara, o tiro (pra matar ou intimidar); todos são símbolos da violação dos nossos direitos no cotidiano. Respire esse oxigênio cada vez mais irrespirável, transite pelas vias de trânsito intransitáveis, vá às compras e seja assaltado (pelos bandidos de ofício, ou pelos disfarçados), se alimente desse “lixo” caro que é colocado nas prateleiras dos supermercados. Seja programado pela mídia que ao invés de informar, tem mais compromisso com o deformar. O nome disso é tortura!

“O apelo à tortura como consequência da segurança é, portanto, a confissão e a aceitação de uma incapacidade ancestral.” Em vez de segurança, o que ela produz é pânico: aceitamos que as autoridades se comportem não como agentes públicos a nos proteger de símios ensandecidos com ossos na mão, mas exatamente igual aos animais retratados no filme e dentro da nossa rotina.

“Nesses termos, o estado completo de vulnerabilidade está criado (precisamente em 14 de julho de 2013, foi a vez de Amarildo). Amanhã pode ser eu. Ou você. Enquanto aplaudimos as soluções arbitrárias, que aniquilam tanto o bandido como o inocente, é a sorte, e não a lei, o elemento a impedir que um animal armado (fardado ou não) com arma na mão, pelo simples fato de acordar num belo dia de mau humor, coloque nossas cabeças em um saco plástico e nos sufoque até a morte.” Eu me refiro ao Estado, enquanto produtor de “malignidade”, não aos cidadãos que fazem parte dele. Eu me refiro ao empresário “predador”, não aos solidários. Eu me refiro ao comunicador imbecil (sem aspas), não ao comunicador social. Eu me refiro ao vândalo, não ao cidadão que luta pelos seus direitos.  Estou falando de mim e estou falando de você!