terça-feira, 26 de abril de 2011

Sobre Filosofia e Santo Agostinho

#Teólogo, filósofo, escritor e mitógrafo, nascido em Tagaste, próximo de Hipona, na então província romana de Numídia, na África romana, hoje Suk Ahras, na Argélia, conhecido como o último dos antigos e o primeiro dos modernos filósofos a refletir sobre o sentido da história e o arquiteto do projeto intelectual da Igreja Católica, o primeiro grande patrístico do período nissênico, com pensamento próprio, e um dos fundadores da Teologia. Filho de pais ricos, o pagão e depois convertido Patrício e da cristã Mônica, mais tarde canonizada, levou na mocidade uma vida circense e em atividades teatrais. Estudou retórica em Cartago (371-374), onde aos 17 anos passou a viver com uma concubina, da qual teve um filho, Adeodato. Interessou-se por filosofia após ler Hortensius, de Cícero e quando também aderiu ao maniqueísmo, caracterizadamente rigorista e proselitista. Retornando a Tagaste, lecionou retórica por um ano. Mais uma vez em Cartago, continuou no mesmo magistério, por 8 anos.

Passou um ano em Roma e três em Milão, onde começou a ensinar retórica em Milão (384), e conheceu Santo Ambrósio, bispo da cidade. Interessou-se pelo cristianismo, voltou-se para o estudo dos filósofos neoplatônicos, renunciou aos prazeres físicos e converteu-se ao cristianismo (387), quando foi batizado por santo Ambrósio, junto com o filho Adeodato. Retirou-se do magistério, dedicando-se mais intensamente à filosofia neoplatônica. Retornou finalmente à África, e decidiu fundar um mosteiro com os bens que então herdara, em Tagasta (387), a origem da ordem agostiniana. Nessa época perdeu a mãe e, pouco depois, o filho.

Estudou, ensinou e escreveu suas obras. No final de sua vida suas preocupações se concentraram na teologia, buscando aprimorar os conceitos neoplatônicos, os quais aliás deram sustentação teológica à polêmica doutrina sobre a atribuição da divindade às três pessoas: um Pai, um Filho e um Espírito Santo. Morreu durante o cerco de Hipona pelo rei dos vândalos, Genserico, e é festejado como doutor da igreja, venerado no dia 28 de agosto, tido como data de sua morte. Ainda que atingisse a posição de o mais expressivo teólogo e filósofo cristão do primeiro milênio, o seu pensamento não chegou a explicitar um sistema filosófico perfeitamente acabado.

O Tempo

Para Agostinho, o tempo não tem realidade em si, é uma invenção do homem, constituído por três nadas: o passado, que não existe mais; o futuro, que ainda não existe; e o presente, tão fugaz que é uma mistura de passado e futuro. É a partir daí que se compreende com certa facilidade a concepção agostiniana de Deus.

Assim como Platão (427-347 a.C.), Agostinho concebe Deus como uma entidade que pertence a um reino de verdades atemporais, perfeitas e imateriais, com o qual só temos contato de maneira não-sensorial: tendo sido feitos à imagem e semelhança de Deus, uma parte desse reino existe dentro de nós (e pode ser identificado com a alma).

Interioridade

Dentro é outra palavra chave para conhecer o pensamento de Agostinho: em sua busca filosófica, ele deixou de lado a reflexão sobre o mundo exterior, e fez uma profunda introspecção para descobrir a sua interioridade, a essência do ser humano. Por isso, Agostinho é considerado também um pioneiro da psicologia.

Para encerrar, convém lembrar que o cristianismo - antes de Agostinho - pouco tinha de filosófico: consistia da crença num Deus criador que se fez homem e num conjunto de instruções morais. Por isso, o filósofo pôde conciliá-lo sem contradições ao platonismo.

A busca da verdade

A filosofia agostiniana é uma constante busca da verdade, que culmina na Verdade, em Cristo. É um movimento incessante, uma paixão, e, precisamente, a paixão principal: o amor. “Amor meus, pondus meum”, o amor é o peso que dá sentido à minha vida. Verdade e Amor.“Fizeste-nos, Senhor, para Ti e o nosso coração estará inquieto enquanto não descansar em Ti”, diz nas Confissões.

Essa “passionalidade” da filosofia agostiniana não é em nenhum momento irracionalismo ou voluntarismo. Se incita a ter fé para entender, também anima a entender para crer melhor. Nada nos pode fazer duvidar da possibilidade de chegar à verdade. Nada valem os argumentos céticos. Si fallor, sum: se me engano, é uma prova de que sou, diz, antecipando-se, num contexto muito diferente, a Descartes. E com mais clareza: “Sabes que pensas? Sei. Ergo verum est cogitare te, logo é verdade que pensas”.

A verdade está no interior do homem. “Não queiras sair para fora; é no interior do homem que habita a verdade”. E há verdades constantes, inalteráveis, para sempre. Dois mais dois serão sempre quatro. Santo Agostinho tenta esclarecer de onde pode vir essa verdade. Não das sensações, diz, porque essas são e não são, são mutáveis, efêmeras. Tampouco do espírito humano, que, por profundo que seja, é limitado. Essas verdades eternas só podem ter por autor Aquele que é eterno: Deus. São reflexos da verdade eterna, que nos ilumina e nos permite ver. Nisso consiste o que depois ficou conhecido como “doutrina da iluminação”; porém, desde já é preciso dizer que Santo Agostinho não a apresenta nunca como uma “teoria”, mas como uma comprovação. Já no final da sua vida, diz nas Retractationes que o homem tem em si, enquanto é capaz, “a luz da razão eterna, na qual vê as verdades imutáveis”.

Como em Platão, conhecer verdadeiramente é estar em contato com o mundo inteligível. Porém, Santo Agostinho nunca dirá que vemos as verdades em Deus, mas que participamos da luz da razão eterna. Não se deve ignorar, por outro lado, que essa solução para o tema do conhecimento corre o risco de não distinguir de forma adequada o conhecimento natural do conhecimento sobrenatural. Mas essa é uma questão que só será levantada mais tarde, na Idade Média.

A busca de Deus

Em Santo Agostinho, não existem provas formais para demonstrar a existência de Deus. Ainda que toda a sua obra seja uma espécie de itinerário em direção a Deus. Tudo fala de Deus; basta abrir os olhos. Ele é intimior intimo meo, mais íntimo ao homem que a própria intimidade humana. As coisas falam-nos todo o tempo de Deus. Perguntamos-lhes: “Sois Deus?” E respondem: “Não, fomos feitas. Continua a buscar”. De forma retórica – retórica de grande qualidade –, encontramos aí a prova da existência de Deus pela contingência das realidades humanas. A mutabilidáde exige o imutável; os graus de perfeição exigem o Ser perfeito. Em Santo Agostinho, como em outros filósofos de inspiração platônica, está claramente formulado o que será a quarta via de São Tomás de Aquino.

Qual é o melhor nome para Deus? O que se lê no Êxodo: “Aquele que é”. “Non aliquo modo est, sed est est” (Confissões). Santo Agostinho dará com freqüência a Deus o nome de Bem, de Amor, porém não desconhece que antes de tudo Ele é; e porque é o que é, é Amor, Bem, Infinito. São Tomás de Aquino não precisará modificar nada de substancial nesta metafísica agostiniana. Como exemplo das dezenas de textos agostinianos, temos este, das Confissões: “Eis que o céu e a terra são; e dizem-nos em altos brados que foram feitos, pois modificam-se e variam. Porque, naquilo que é sem ter sido feito, não há coisa alguma agora que antes não houvesse: que isso é modificar-se e variar. O céu e a terra clamam também que não se fizeram a si mesmos: somos porque fomos feitos; não éramos antes que fôssemos, de modo a termos podido ser por nós mesmos. Basta olhar para as coisas para ouvi-las dizer isso. Tu, Senhor, fizeste essas coisas. Porque és belo, elas são belas; porque és bom, são boas; porque tu és, elas são.”

Esta última afirmação (quia est: sunt enim) significava a definitiva superação por parte de Santo Agostinho do essencialismo platônico. Deus é causa do ser das coisas, porque é o Ser por essência. Se a fórmula de Santo Agostinho não é essa, a idéia é.


Fontes:

sociedadecatolica.com.br

uol.com.br

brasilescola.com

domingo, 24 de abril de 2011

A sociologia de Durkheim

#Émile Durkheim (1858-1917) fundador da escola francesa de Sociologia, que combina a pesquisa prática com a teoria sociológica. Ainda sob influência positivista, lutou para fazer das Ciências Sociais uma disciplina rigorosamente científica. Durkheim entendia que a sociedade era um organismo que funcionava como um corpo, onde cada órgão tem uma função e depende dos outros para sobreviver. Ao seu olhar, o que importa é o indivíduo se sentir parte do todo, pois caso contrário ocorrerá anomalias sociais, deteriorando o tecido social.

Durkheim entende que não se pode receitar os mesmos “remédios” que serviu a uma sociedade para resolver os “males” sociais de outras sociedades.

Dentro da tradição positivista de delimitar claramente os objetos das ciências para melhor situá-las no campo do conhecimento, Durkheim aponta um reino social, com individualidade distinta dos reinos animal e mineral. Trata-se de um campo com caracteres próprios e que deve por isso ser explorado através de métodos apropriados. Mas esse reino não. se situa à parte dos demais, possuindo um caráter abrangente.

Para Durkheim, a Sociologia deve estudar os fatos sociais, os quais possuem três características:

1) coerção social;

2) exterioridade;

3) poder de generalização.


Os fatos sociais apresentam vida própria, sendo exteriores aos indivíduos e introjetados neles a ponto de virarem hábitos.

Pela sua perspectiva, o cientista social deve estudar a sociedade a partir de um afastamento dela, sendo imparcial, não se deixando influenciar por seus próprios preconceitos, valores, sentimentos etc.

A diferença básica entre Marx e Durkheim consiste basicamente em que Durkheim enxerga a sociedade como um organismo funcionando, suas partes se completando. Por outro lado, Marx afirma que a ordem constituída só é possível porque a classe dos trabalhadores é dominada pela classe dos capitalistas e propõe que a classe proletária (trabalhadores) deve se organizar, unir-se e inverter a ordem, ou seja, passar de dominada a dominante, e assim superar a exploração e as desigualdades sociais.

Solidariedade mecânica


Em De la Division du Travail Social, Durkheim esclarece que a existência de uma sociedade, bem como a própria coesão social, está baseada num grau de consenso entre os indivíduos e que ele designa de solidariedade. De acordo com o autor, há dois tipos de solidariedade: a mecânica e a orgânica.

A solidariedade mecânica prevalece naquelas sociedades ditas "primitivas" ou "arcaicas", ou seja, em agrupamentos humanos de tipo tribal formado por clãs. Nestas sociedades, os indivíduos que a integram compartilham das mesmas noções e valores sociais tanto no que se refere às crenças religiosas como em relação aos interesses materiais necessários a subsistência do grupo, essa correspondência de valores assegura a coesão social.

Solidariedade orgânica

De modo distinto, existe a solidariedade orgânica que é a do tipo que predomina nas sociedades ditas "modernas" ou "complexas" do ponto de vista da maior diferenciação individual e social (o conceito deve ser aplicado às sociedades capitalistas). Além de não compartilharem dos mesmos valores e crenças sociais, os interesses individuais são bastante distintos e a consciência de cada indivíduo é mais acentuada.


A divisão econômica do trabalho social é mais desenvolvida e complexa e se expressa nas diferentes profissões e variedade das atividades industriais. Durkheim emprega alguns conceitos das ciências naturais, em particular da biologia (muito em uso na época em que ele começou seus estudos sociológicos) com objetivo de fazer uma comparação entre a diferenciação crescente sobre a qual se assenta a solidariedade orgânica.

Durkheim concebe as sociedades complexas como grandes organismos vivos, onde os órgãos são diferentes entre si (que neste caso corresponde à divisão do trabalho), mas todos dependem um do outro para o bom funcionamento do ser vivo. A crescente divisão social do trabalho faz aumentar também o grau de interdependência entre os indivíduos.

Para garantir a coesão social, portanto, onde predomina a solidariedade orgânica, a coesão social não está assentada em crenças e valores sociais, religiosos, na tradição ou nos costumes compartilhados, mas nos códigos e regras de conduta que estabelecem direitos e deveres e se expressam em normas jurídicas: isto é, o direito.

terça-feira, 19 de abril de 2011

BRICS

#A sigla BRICS é um acrônimo que se faz referência aos países membros fundadores (Brasil, Rússia, Índia e China) e à África do Sul, que juntos formam uma aliança econômica de cooperação mútua.

O grupo ainda não é um bloco econômico ou uma associação de comércio formal, como no caso da UE, existem fortes indícios de que "os quatro países do BRIC têm procurado estabelecer um "clube político" ou uma "aliança", e assim converter "seu crescente poder econômico em uma maior influência geopolítica."

O termo (originalmente "BRIC") foi elaborado por Jim O'Neill em um estudo de 2001 intitulado "Building Better Global Economic BRICs". Desde então, a sigla passou a ser amplamente usada como um símbolo da transformação no poder econômico global, distante das economias desenvolvidas do G7 em relação ao mundo em desenvolvimento.

Importante salientar que não estamos tratando de um bloco econômico, e sim de uma associação comercial, onde os países participantes possuem situações econômicas e índices de desenvolvimento parecidos, cuja união visa à cooperação para alavancar suas economias em escala global.

Particularmente considero um grande equívoco rotular essa aliança de "grupo emergente" por compreender, conceitualmente, que o termo emergente se refere a: países subdesenvolvidos que progridem e alcançam destaque econômico pelo crescimento industrial e pela crescente exportação de seus produtos. No meu entendimento, o BRICS é uma aliança comercial composta por países em desenvolvimento: nações que possuem um padrão de vida entre baixo e médio, uma base industrial em desenvolvimento e um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) variando entre médio e elevado. A classificação de países é difícil, visto que não existe uma definição internacionalmente reconhecida de país desenvolvido e os níveis de desenvolvimento, econômico e social, podem variar muito dentro do grupo dos países em desenvolvimento, sendo que alguns desses países possuem alto padrão de vida médio.

Um país emergente pode desfrutar de um desenvolvimento mas, nem todo país em desenvolvimento deve ser classificado como emergente. Resumindo. Brasil e Índia são os emergentes da história. Enquanto China, Rússia e África do Sul aparecem como os 'em desenvolvimento'. Contudo, é bom ter muita cautela nos exames como ENEM e VESTIBULAR. Para boa parte dos autores "emergente" e "em desenvolvimento" representam a mesma ideia. O que, para mim, é um equívoco conceitual como já foi explicado.

Como as economias dos países BRICS complementam um ao outro?

Quem responde é o especialista chinês Yao Zhizhong, chefe do departamento de investimentos internacionais da Academia Chinesa de Ciências Sociais:

“Os países dos BRICS se complementam em termos de suas economias e de padrões de negociação. O Brasil tem minério de ferro, e a Rússia é rica em recursos energéticos, como petróleo e gás natural. A indústria indiana de serviços é muito desenvolvido, especialmente a sua indústria de software. E a força da China, como é sabido, está na fabricação. Inter-dependência entre os membros está crescendo como as suas economias se desenvolvem. Mas complementaridade não significa necessariamente que tudo está de vento em popa. O risco desse tipo de coisa é produzir um conflito, como ocorreu na disputa entre Brasil e China sobre as negociações de minério de ferro. Assim sendo, a complementaridade não é necessariamente sinónimo de benefício mútuo. Mas existe o potencial de promover o desenvolvimento mútuo, nomeadamente na sequência da crise financeira global.

Posicionamentos e reformas

A presidente Dilma Rousseff disse, durante o terceiro encontro de cúpula dos Brics, na China, que as cinco nações "não se organizam contra nenhum grupo de países" e defendeu que a "verdadeira prosperidade tem de ser compartilhada por todos".

"A agenda dos Brics não se define por oposição a nenhum outro grupo. Queremos agregar", disse. "Somos a favor de um mundo multipolar, sem hegemonias nem zonas de influência", acrescentou.


Durante o encontro, os países buscaram consenso em alguns temas de interesse comum e defenderam uma reforma no sistema monetário internacional "com reservas internacionais de ampla base", uma alusão às propostas de diversificar a atual dependência do dólar como moeda de referência.

Os países delinearam também bases para uma cooperação maior na Organização das Nações Unidas (ONU) destacando que, neste ano, todos os cinco membros do grupo fazem parte do Conselho de Segurança. No entanto, apenas Rússia e China são membros permanentes com poder de veto.

O comunicado conjunto reiterou o apoio dos países do grupo a uma reforma nos organismos multilaterais, como a ONU, o Banco Mundial e o FMI, que aumente a participação dos países emergentes e em desenvolvimento.



Fontes:

folha.uol.com.br

oglobo.globo.com

pt.shvoong.com/social-sciences/education

sábado, 16 de abril de 2011

Filosofia Medieval

#Se a filosofia antiga se concentrou em questões acerca do ser e do não-ser, da origem, permanência e movimento, do uno e do múltiplo, para os pensadores medievais o problema essencial era o da conciliação entre fé e razão. Os problemas lançados pelos gregos foram abordados a partir de uma outra perspectiva. Embora o cristianismo não seja uma filosofia, ele interfere de uma maneira profunda no pensamento e na cultura da época, uma vez que o filósofo cristão se depara com o conflito da sua realidade finita e imperfeita diante da divindade infinita e perfeita.

Patrística

Os primeiros momentos da chamada “era cristã” foram marcados pela elaboração e consolidação dos dogmas cristãos, ou seja, verdades reveladas que exigem a aceitação incondicional por parte dos fiéis. E alguns desses dogmas se propõem a desafiar a razão, como por exemplo, o da Trindade de Deus: Deus é, ao mesmo tempo, um só e três: o pai, o Filho e o Espírito Santo.

A essência do Evangelho, na qual se sustentava a fé cristã nos primórdios do cristianismo, era um conhecimento de salvação, revelado, não definido por uma filosofia. No combate contra o paganismo greco-romano e contra as heresias surgidas entre os próprios cristãos, no entanto, os padres da igreja se viram motivados a recorrer ao instrumento de seus adversários, ou seja, o pensamento racional, nos moldes da filosofia grega clássica, e por meio dele procuraram dar consistência lógica à doutrina cristã.

A missão da filosofia desenvolvida pelos padres (daí o nome patrística) é a de buscar justificativas racionais para as verdades reveladas, ou seja, conciliar razão e fé.

Os maiores nomes da patrística latina foram santo Ambrósio, são Jerônimo (tradutor da Bíblia para o latim) e santo Agostinho, este considerado o mais importante filósofo em toda a patrística. Além de sistematizar as doutrinas fundamentais do cristianismo, desenvolveu as teses que constituíram a base da filosofia cristã durante muitos séculos.

Escolástica

Por volta do século IX surgem as escolas que cultivam o saber teológico e filosófico, inserido num exercício cooperativo coletivo. O ensino se faz por meio da análise e do comentário dos textos de teólogos e filósofos, relacionando problemas, argumentos e soluções.

A filosofia continua mantendo contato com a religião: são ainda as questões teológicas que conduzem as reflexões filosóficas.

O método adotado pela Escolástica se traduz através do ensino, fundamentado na lectio – o mestre domina a palavra – e na disputatio – debate livre entre o professor e seu discípulo -; e nas formas literárias – entre elas predominam os comentários, nascidos da lectio, dos quais se originam as Summas, que permitem ao autor se ver um pouco mais livre dos textos; e as quaestiones, vindas à luz por meio da disputatio. Uma das Summas mais renomadas é a Summa Theologica de São Tomás. A Opuscula também é livremente usada pelos escolásticos, representando um caminho mais autônomo para se abordar uma questão.

sábado, 9 de abril de 2011

Nada além de Kafka

#A expressão literária de Kafka constitui a consolidação das pressões sociais numa alma pequeno-burguesa, isso é evidente na sua dualidade: profissionalmente é gerente de uma companhia de seguros, e subjetivamente é um intelectual, um artista.

O nada existente entre esse “desdobramento” foi preenchido pelo conflito. Essa antinomia é marca de sua existência, fazendo dele um tipo introvertido. Nasce daí, seu estilo alegórico e o tema da “incomunicabilidade” entre os humanos, vivido por José K. no “O Processo” e pelo agrimensor no “O Castelo”.

"Só podia encontrar a felicidade se conseguisse subverter o mundo para o fazer entrar no verdadeiro, no puro, no imutável."

Legitima-se essa atitude postura reservada, pois ele, como intelectual, é observado com suspeita pelo seu próprio grupo social e familiar, por esses burgueses rotineiros que compensam suas frustrações cotidianas no culto fetichista do cheque bancário que lhes assegura a estabilidade financeira, da religião, que garante um passe livre ao céu e do Estado, supremo protetor de suas propriedades.

Franz Kafka se depara com uma estrutura social que impõe como “anomalia” toda atividade que não vise um lucro, não propicie uma felicidade relevante, como a do escritor que faz profissão do mental e do “ocioso”, num mundo de valores pragmáticos e numéricos.

"Há esperanças, menos para nós."

O drama de F. Kafka é o drama de um membro de uma família pequeno-burguesa.

Essa “incomunicabilidade” em Kafka não é uma vertente abstrata de caráter extraterreno, ela pertence à “contingência”, “ao cotidiano” da vida de cada um. É um “recurso” literário e artístico refinado como conseqüência do seu antagonismo com relação ao Pai. De acordo com seu próprio testemunho, toda sua obra nasce do conflito com seu pai. O pai, um tipo bonachão, audacioso, de temperamento brutal e dominador, o filho, o oposto: um “intelectual”, um contemplativo.

A incomunicabilidade leva à guerra de caracteres; daí emerge uma luta surda e Kafka se sente como um criminoso que espia um crime que não cometeu.

A mesma sensação de esmagamento que José K. sente ao encarar o Tribunal, de um criminoso sem culpa formada e formalizada, julgado sem saber por quem e condenado sem saber como.

Seria uma espécie de antevisão kafkiana da tragédia judaica no processo da 2ª guerra mundial, - a de perseguidos sem culpa, pela onda totalitária.

Entretanto, deve-se ressaltar que seu desligamento de um grupo social ascendente impediu Kafka de conduzir sua obra a uma espécie de tomada de consciência da realidade universal e ao mesmo tempo particular: a do homem do século XX, entre duas guerras.

"Não desesperes, nem sequer pelo fato de que não desesperas. Quando tudo parece findo, surgem novas forças. Isto significa que vives."

Evidentemente, essa unilateralidade sociológica é compensada por qualidades pessoais: o sentido kafkiano da arte como prática vital e sua sensibilidade de discernir o que há de trágico e agrotesco no cotidiano do homem moderno.

Se O Processo é o retrato da destruição da personalidade humana perante um Estado totalitário e impessoal, América é uma critica severa a uma civilização que considera como ideais de vida, a televisão, a geladeira ou o automóvel.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Conhece-te a ti mesmo (Gnôthi Seautón)

#Sócrates é tratado como um verdadeiro divisor de águas na Filosofia Antiga, tanto que os filósofos anteriores a ele são popularmente citados como pré-socráticos.

Evidentemente, com Sócrates há uma alteração importante no foco das reflexões filosóficas sobre o sujeito e a verdade. Os seus antecessores, por assim dizer, estavam muito mais interessados em descobrir o fundamento (arké) de todas as coisas. Sócrates, por sua vez, está mais envolvido em nossa relação com os outros e com o mundo.

Inusitadamente, Sócrates não escreveu nada - e tudo o que se sabe sobre ele “devemos” a seus discípulos, especialmente Platão. Sócrates teria tomado a inscrição da entrada do templo de Delfos como inspiração para desenvolver sua filosofia: Conhece-te a ti mesmo.

Para um bom entendimento sobre o sentido dessa frase, de acordo com o filósofo francês Michel Foucault (1926 - 1984), devemos inscrevê-la em uma visão mais ampla do cuidado de si.

Sócrates ensinava que nós devemos nos incomodar menos com as coisas (riqueza, fama, poder) e passarmos a nos interessar por nós mesmos. Mas, com que objetivo deveria ocupar-me comigo mesmo? Porque é o caminho que me permite ter acesso à verdade. Mas que tipo de verdade? Obviamente não é uma verdade qualquer, tal como a fórmula química da água, mas a verdade que é capaz de transformá-lo no seu próprio ser de sujeito.

É esse ato de conhecimento, capaz de promover nossa autotranscendência, de que fala Sócrates. Conhecer a mim mesmo para saber como modificar minha relação para comigo, com os outros e com o mundo.

A expressão geradora das problemáticas acerca do “antagonismo”: sujeito X verdade. Noção marginal que permeia o pensamento grego. A Epiméleia heautoû (o cuidado de si).

De acordo com Roscher o “conhece-te a ti mesmo” se pauta pelo Medén ágan (nada em demasia) quer dizer: tu que vens consultar não coloques questões demais, não coloques senão questões úteis que queres colocar; e pela noção de engýe (cauções), quando vens consultar os deuses, não faças promessas, não te comprometas com coisas ou compromissos que não podes honrar.

Sócrates se mostra como aquele que, essencialmente, de modo fundamental e originário, tem por missão, sentido e incumbência, incitar os outros a se ocuparem consigo mesmos, a terem extremos cuidados consigo e a não descuidarem, de forma alguma, de si.

“Atenienses, eu vos sou reconhecido e vos amo; mas obedecerei antes ao deus que a vós; enquanto tiver alento e puder fazê-lo, estejais seguros que jamais deixarei de filosofar, de vos [exortar], de ministrar ensinamentos àquele que dentre vós eu encontrar.”

Estudando bem a Hermenêutica do Sujeito de Foucault, pude identificar três aspectos importantes da atividade socrática:

- Ao incitar os outros a se ocuparem consigo, Sócrates cumpre uma ordem que lhe foi fixada pelos deuses;

- Ao se ocupar com os outros, Sócrates está negligenciando a si mesmo;

- Sócrates diz que, na atividade que consiste em incitar os outros a se ocuparem consigo mesmos, ele desempenha, relativamente a seus concidadãos, o papel daquele que desperta.

Me parece que a Epiméleia heautoû ( o cuidado de si e a regra que lhe era associada) não cessou de constituir um fundamento básico para evidenciar a atitude filosófica ao longo de quase toda a tradição grega, helenística e romana.