sábado, 17 de novembro de 2012

Nietzsche: muito além da razão


Friedrich Nietzsche era formado em filologia clássica e não em filosofia. Tornou-se filósofo, segundo ele mesmo diz, devido à leitura de Schopenhauer. Concorda com a visão de mundo deste filósofo em três questões essenciais: a) a inexistência de Deus; b) a inexistência de alma; c) a falta de sentido da vida, que se constitui de sofrimento e luta, impelida por uma força irracional, que podemos chamar de vontade.

No entanto, ao contrário de Schopenhauer, Nietzsche não vê a realidade repartida em duas, o fenômeno e a coisa em si. Considera que este mundo é a única parte da realidade e que não devemos rejeitá-lo ou nos afastarmos dele, mas viver nele com plenitude. Ele realiza uma análise crítica dos elementos subjacentes à tradição moral hegemônica no Ocidente e procura caracterizar uma Filosofia e uma educação a serviço da singularização voltada para a construção de um homem universal; e as que se colocam a serviço da subjetivação, atentas ao anseio da subjetividade, centradas no homem como ser concreto, abstraindo a natureza humana. Como, porém, fazer isso num mundo sem Deus e sem sentido?

Nietzsche começa a resolver o problema fazendo um ataque à moral e aos valores existentes na sociedade que lhe é contemporânea. Segundo o filósofo, esses valores derivam de civilizações já inexistentes, como a grega e a judaica, e de religiões em que muitos - senão a maioria - já não têm fé. Precisamos, portanto, de uma nova base para assentar nossos valores.

Justiça dos fracos

A civilização, de acordo com o Nietzsche, foi criada pelos fortes, pelos inteligentes, pelos homens competentes, os líderes que se destacaram da massa. Moralistas como Sócrates e Jesus, porém, negaram essa realidade em nome dos fracos.

Propagando uma moral que protegia os fracos dos fortes, os mansos dos ousados, que valorizava a justiça em vez da força, eles inverteram os processos pelos quais o homem se elevou acima dos animais e exaltaram como virtudes características típicas de escravos: abnegação, auto-sacrifício, colocar a vida a serviço dos outros.


"Super-homem"

Considerando que tais valores não têm origem divina ou transcendente, Nietzsche afirma que somos livres para negá-los e escolher nossos próprios valores. Ao "tu deves" devemos responder com o "eu quero". É a vontade de poder que permite ao indivíduo que se autoelege desenvolver seu potencial máximo de modo a tornar-se um super-homem ou um ser além-do-homem - isto é, que se coloca acima da massa.

Nietzsche identifica o "super-homem" em personagens como Napoleão, Lutero, Goethe e até mesmo Sócrates (não por suas ideias, mas pela coragem de levá-las às últimas consequências). Enfim, no líder que tem vontade de poder, que ousa tornar-se o que realmente é. É assim que se afirma a vida e se pode atingir a auto-realização.


Naturalmente, o filósofo sabe que isso não vai abolir os conflitos e nem se preocupa com isso, pois considera os conflitos como um estímulo. De resto, querer abolir a competição, a derrota e o sofrimento é o mesmo que pretender abolir a lei da gravidade.



Desafio e resposta

O pensamento nietzschiano pode ser avaliado sob duas perspectivas. Por um lado, ele postula um supremo desafio ético ao propor uma reavaliação radical dos valores morais da humanidade. Nesse sentido, ele apresentou o problema sobre o qual iriam se debruçar muitos filósofos do século 20, a partir dos existencialistas.

Por outro, a resposta que ele propõe a esse desafio - marcada pelo individualismo e pela "lei do mais forte" (que pode ser também o mais inteligente ou o mais talentoso) - desaguou no nazi-fascismo, que se apropriou de suas ideias e o usou em sua propaganda. No encontro histórico de Mussolini e Hitler, em 1938, o líder alemão presenteou o italiano com uma coleção das obras de Nietzsche. Convém lembrar, porém, que o filósofo já em sua época ridicularizava o nacionalismo alemão. Quanto ao seu propalado anti-semitismo, pode ser desmentido por um de seus próprios aforismos: "Os anti-semitas não perdoam os judeus por terem intelecto e dinheiro. Anti-semita: outro nome para 'roto e esfarrapado'".

Não se pode falar de Nietzsche sem comentar o aspecto literário de sua obra. A maioria de seus livros não é escrita no tipo de prosa dissertativa característica da filosofia, com argumentos e contra-argumentos expostos na íntegra. Ao contrário, estão sob a forma fragmentária de aforismos e parágrafos numerados separadamente, ou ainda como epigramas ou na linguagem dos textos religiosos, como se vê em uma de suas obras mais conhecidas: "Assim falou Zaratustra".



Fontes:

educacao.uol.com.br
fflch.usp.br/df/gen/


segunda-feira, 5 de novembro de 2012

O mundo de Schopenhauer



Schopenhauer viveu de 1788 a 1860. Nascido em Danzig, Prússia, lecionou de 1820 a 1831, ano em que abandonou as salas de aula. Escreveu sua obra prima aos 30 anos, “O Mundo como Vontade e Representação”, mas não obteve sucesso na maior parte de sua vida. Mudou para Frankfurt, onde ficou até sua morte. Só obteve reconhecimento em seus últimos dias, o livro “Parerga e Paralipomena”, uma compilação de aforismos escritos de maneira cativante e popular, foi publicado.


Com sua personalidade forte e palavras amargas sobre o filósofo Hegel, ganhou antipatia no mundo acadêmico. Schopenhauer chegou a dizer que Hegel era um “charlatão de mente obtusa, banal, nauseabundo, iletrado (…)”. Outro motivo que provavelmente foi crucial para seu insucesso foi a audácia de abrir sua filosofia aos pensamentos orientais. Schopenhauer foi o primeiro pensador ocidental a fazer isto, agregou ensinamentos do Budismo e do Hinduísmo em seus estudos.
Para Schopenhauer, o mundo é uma representação individual. Em suas próprias palavras: “O mundo é a minha representação: eis uma verdade que vale para cada ser vivente e cognoscitivo*, mesmo se somente o homem é capaz de acolhe-la na sua consciência reflexa e abstrata; e quando ele verdadeiramente o faz, a meditação filosófica nele penetrou”.

Schopenhauer falava da relação entre sonhos e realidade. Para ele, seria impossível distinguir as duas condições. A vida seria um sonho muito longo, interrompido durante a noite por outros sonhos curtos. “Nós temos sonhos; não é talvez toda a vida um sonho? Mais precisamente: existe um critério seguro para distinguir sonho e realidade, fantasmas e objetos reais?”, afirma Schopenhauer. O filósofo ainda discutia o porquê de todo ser humano ter a vontade de continuar vivendo. Qual seria o princípio a impelir os homens à continuação da vida e da espécie? Chegou a conclusão de que nosso corpo é o único objeto que conseguimos conhecer no universo, pois não o reconhecemos de fora, mas sim de dentro. Assim, diz que o Eu é a própria vontade de viver. Segundo ele, nosso instinto de sobrevivência é cego, mesmo sabendo que o que nos aguarda é a morte certa, nós continuamos a buscar a sobrevivência.

Em suas palavras: “São dessa natureza os esforços e os desejos humanos que nos fazem vibrar diante da sua realização como se fossem o fim último da nossa vontade; mas depois de satisfeitos mudam de fisionomia”.

Outro tema polêmico levantado por Schopenhauer é o sexo. Em suas obras, deixa claro que o amor é apenas um truque da natureza na tentativa de preservar a espécie humana. Sendo este mundo um vale de lágrimas, a natureza ligou o orgasmo ao acasalamento, assim, no ato sexual, consegue abstrair a culpa do ser humano quando este faz nascer um novo espécime.

“(…) todo enamoramento, depois do gozo finalmente alcançado, experimenta uma estranha desilusão e se surpreende de que aquilo que tão ardentemente desejou não ofereça nada mais do que qualquer outra satisfação sexual (…)”. Sua obra ainda observa outros pontos como a negação da vontade de viver, que só seria conseguida com a nolontade (não-vontade). Ele indica, como fonte para chegarmos ao estado sublime de felicidade (Nirvana), a fuga da realidade com silêncio, jejum, castidade e uma renúncia sistemática de tudo que é real.

Sua obra influenciou Freud e Nietzche, que o alcunhou o “cavaleiro solitário”. Schopenhauer morreu aos 72 anos vítima de uma pneumonia.

Apenas para definir melhor a figura de cavaleiro solitário de Schopenhauer, segue abaixo um texto que comprova sua acidez, um excerto que consegue, ao mesmo tempo, nos fazer refletir e querer esquecer tudo que acabamos de ler.

“A mais rica biblioteca, quando desorganizada, não é tão proveitosa quanto uma bastante modesta, mas bem ordenada. Da mesma maneira, uma grande quantidade de conhecimentos, quando não foi elaborada por um pensamento próprio, tem muito menos valor do que uma quantidade bem mais limitada, que, no entanto, foi devidamente assimilada”.

*Cognoscitivo = referente ao conhecimento e ao aprendizado.



Fontes:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Arthur_Schopenhauer
Nicola, Ubaldo. Antologia Ilustrada de Filosofia: Das origens à idade moderna. São Paulo: Editora Globo, 2005.
Schopenhauer, Arthur. A Arte de Escrever. São Paulo: Editora L&PM, 2009. Dicionário Michaelis

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

O homem está condenado a ser livre




Existencialismo é um conjunto de doutrinas filosóficas que tiveram como tema central a análise do homem em sua relação com o mundo, em oposição a filosofias tradicionais que idealizaram a condição humana.

É também um fenômeno cultural, que teve seu apogeu na França do pós-guerra até meados da década de 1960, e que envolvia estilo de vida, moda, artes e ativismo político. Como movimento popular, o existencialismo iria influenciar também a música jovem a partir dos anos 1970, com os góticos e, atualmente, os emos.

Apesar de sua fama de pessimista e lúgubre, o existencialismo, na verdade, é apenas uma filosofia que não faz concessões: coloca sobre o homem toda a responsabilidade por suas ações.

O escritor, filósofo e dramaturgo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), maior expoente da filosofia existencialista, parte do seguinte princípio: a existência precede a essência. Com isso, quer dizer que o homem primeiro existe no mundo - e depois se realiza, se define por meio de suas ações e pelo que faz com sua vida.

Assim, os existencialistas negam que haja algo como uma natureza humana - uma essência universal que cada indivíduo compartilhasse -, ou que esta essência fosse um atributo de Deus. Portanto, para um existencialista, não é justo dizer "sou assim porque é da minha natureza" ou "ele é assim porque Deus quer".

Ao contrário, se a existência precede a essência, não há nenhuma natureza humana ou Deus que nos defina como homens. Primeiro existimos, e só depois constituímos a essência por intermédio de nossas ações no mundo. O existencialismo, desta forma, coloca no homem a total responsabilidade por aquilo que ele é.

Somos os responsáveis por nossa existência

Se o homem primeiro existe e depois se faz por suas ações, ele é um projeto - é aquele que se lança no futuro, nas suas possibilidades de realização. O que isso quer dizer?

Eu não escolho nascer no Brasil ou nos EUA, pobre ou rico, branco ou preto, saudável ou doente: sou "jogado" no mundo. Existo. Mas o que eu faço de minha vida, o significado que dou à minha existência, é parte da liberdade da qual não posso me furtar. Posso ser escritor, poeta ou músico. No entanto, se sou bancário, esta é minha escolha, é parte do projeto que eliminou todas as outras possibilidades (escritor, poeta, músico) e concretizou uma única (bancário).

E, além disso, tenho total responsabilidade por aquilo que sou. Para o existencialista, não há desculpas. Não há Deus ou natureza a quem culpar por nosso fracasso. A liberdade é incondicional e é isso que Sartre quer dizer quando afirma que estamos condenados a sermos livres: "Condenado porque não se criou a si próprio; e, no entanto, livre, porque uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer" (em O existencialismo é um humanismo, 1978, p. 9). 

Portanto, para um existencialista, o homem é condenado a se fazer homem, a cada instante de sua vida, pelo conjunto das decisões que adota no dia-a-dia.

"Tive que cuidar dos filhos, por isso não pude fazer um curso universitário." "Não me casei porque não encontrei o verdadeiro amor." "Seria um grande ator, mas nunca me deram uma oportunidade de mostrar meu talento." Para Sartre, nada disso serve de consolo e não podemos responsabilizar ninguém pelo que fizemos de nossa existência. O que determina quem somos são as ações realizadas, não aquilo que poderíamos ser. A genialidade de Cazuza ou Renato Russo, por exemplo, é o que eles deixaram em suas obras, nada além disso.

O peso e a importância da liberdade

Mas ao escolher a si próprio, a sua existência, o homem escolhe por toda a humanidade, isto é, sua escolha tem um alcance universal. João é casado e tem três filhos: fez uma opção pela monogamia e a família tradicional. Já seu amigo José é filiado a um partido político e vai para o trabalho de bicicleta: acha correta a participação política e se preocupa com o meio ambiente. As escolhas de José e João têm um valor universal. Ao fazer algo, deveríamos nos perguntar: e se todos agissem da mesma forma, o mundo seria um lugar melhor de se viver?

E é por esta razão que o viver é sempre acompanhado de angústia. Quando escolhemos um caminho, damos preferência a uma dentre diversas possibilidades colocadas à nossa frente. Seguimos o caminho que julgamos ser o melhor, para toda humanidade.

Fugir deste compromisso é disfarçar a angústia e enganar sua própria consciência. É agir de má-fé, segundo Sartre. Neste caso, abro mão de minha responsabilidade. Digo: "Ah... nem todo mundo faz assim!", ou então delego a responsabilidade de meus atos à sociedade, às pessoas de meu convívio familiar e profissional ou a um momento de ira ou paixão. No entanto, para os existencialistas, esta é uma vida inautêntica.

À primeira vista, o peso da liberdade depositado no homem pelos filósofos existencialistas pode parecer excessivamente pessimista, fatalista, de uma solidão extrema no íntimo de nossas decisões. Mas, ao contrário, o existencialista coloca o futuro em nossas mãos, nos dá total autonomia moral, política e existencial, além da responsabilidade por nossos atos. Crescer não é tarefa das mais fáceis.

Em Sartre, o nada aparece ao homem quando este, numa atitude interrogativa junto ao ser, entra em relação com o mundo. Deste modo, Sartre investiga a interrogação como conduta primeira porque, segundo ele, ela é “uma atitude dotada de significação” (SARTRE, 2001, p. 44). 

De acordo com Sartre (2001, 51), “o não-ser [nada] não vem às vezes pelo juízo da negação: ao contrário, é o juízo de negação que está condicionado e sustentado pelo não-ser [nada]”. Sartre analisa a possibilidade da origem do nada a partir de duas vertentes: a primeira, a concepção dialética de Hegel (que não interessa 
aqui) e a segunda, que é a concepção fenomenológica, onde Sartre expõe as contribuições de Heidegger.




Fonte:

José Renato Salatiel - educação.uol.com.br

SARTRE, Jean-Paul. O Ser e o Nada – Ensaio de Ontologia Fenomenológica. Petrópolis – RJ: Vozes, 2001.

Unesp Revistas Eletrônicas




sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Dialética?




A dialética pode ser descrita como a arte do diálogo. Uma discussão na qual há contraposição de idéias, onde uma tese é defendida e contradita logo em seguida; uma espécie de debate. Sendo ao mesmo tempo, uma discussão onde é possível divisar e defender com clareza os conceitos envolvidos.

A prática da dialética surgiu na Grécia antiga, no entanto, há controvérsias a respeito do seu fundador. Aristóteles considerava a Zenôn como tal, já outros defendem que Sócrates foi o verdadeiro fundador da dialética por usar de um método discursivo para propagar suas idéias.

A DIALÉTICA EM PLATÃO

Para Platão a dialética é o único caminho que leva ao verdadeiro conhecimento. Pois a partir do método dialético de perguntas e respostas é possível iniciar o processo de busca da verdade. Em sua Alegoria da Caverna, Platão fala da existência de dois mundos: o mundo sensível e o mundo das idéias. Sendo o segundo alcançado apenas através da dialética, da investigação de conceitos.

A DIALÉTICA EM HEGEL

Em Hegel, a dialética se movimenta da seguinte forma: primeiro existe a TESE, que é a idéia, gerando uma ANTÍTESE, que se contrapõe à TESE, surgindo assim a SÍNTESE, que é a superação das anteriores. Hegel aplicava esse raciocínio à realidade e aos diferentes momentos da história humana. Desde as antigas civilizações do oriente até a concepção de Estado Moderno, constando nesse ínterim, acontecimentos como o surgimento da filosofia, o iluminismo e a Revolução Francesa. Ou seja, a história estaria dividida em três etapas, correspondendo exatamente à TESE, ANTÍTESE e SÍNTESE. A SÍNTESE representa a superação da contradição.

A DIALÉTICA MARXISTA

Karl Marx reformula o conceito de dialética em Hegel, voltando-o para a sociedade, as lutas de classes vinculadas a uma determinada organização social, surgindo assim, a chamada: dialética materialista ou materialismo dialético.

A dialética materialista une pensamento e realidade, mostrando que a realidade é contraditória ao pensamento dialético. Contradições estas, que é preciso compreender para então, transpô-las através da dialética. Marx fala da dialética sempre em um contexto de luta de classes, diferentes interesses, que geram a contradição. Sendo assim, o materialismo dialético é uma das bases do pensamento marxista.


A dialética hegeliana afirmava que os fenômenos continham em si um movimento intrínseco, causador de um devir perpétuo e que assinalava sua própria negação, conservação e síntese. Essa forma de expressar a contradição – o conflito como a própria substância da realidade – foi a solução dada por Hegel ao idealismo predominante em sua época e que tornou o ser das coisas intangível, por isso imutável, restando apenas a aparência enquanto movimento. Assim, a dialética apontaria as contradições da vida social que desembocariam na negação de uma determinada ordem. Já com o materialismo de Feuerbach, captava-se a realidade a partir das sensações e essas determinavam a consciência das ações dos homens.

Ao ser influenciado por ambas as correntes, Marx tratou ao mesmo tempo de refutá-las e sintetizá-las, mesmo que a partir de uma inversão. Segundo a abordagem da vida social, Marx concebeu que os homens têm como base de suas relações o modo como produzem seus meios de existência. Tal método foi denominado materialismo histórico-dialético. Ele não tem como meta estabelecer leis gerais do movimento, mas elucidar fatos concretos de como esse movimento se deu na História.

Essa perspectiva concebe a efemeridade de todos os fenômenos, atestando, inclusive, e principalmente, que os processos de produção são transitórios (e não imutáveis) e que destes dependem as concepções que regem as relações sociais,bem como determinam as consciências individuais.

A produção de meios materiais permitiu e permite que os homens continuem a existir, satisfazendo suas necessidades. Essa produção, enquanto fato histórico, é o que determina, segundo Marx, a interação dos homens com a natureza, bem como com os outros indivíduos, reproduzindo os processos de produção e transmitindo-os para assegurar a manutenção da existência social.           

É a partir do processo de produção que os homens estabelecem relações sociais e criam as condições para regular os interesses coletivos. O trabalho é o fundamento do materialismo histórico que determina os fatores econômicos, sociais, políticos, etc.

No entanto, o processo produtivo se desenvolveu em estágios determinados, não sendo fruto da vontade individual. O estado de desenvolvimento social é intrinsecamente realizado a partir de suas relações de produção e de suas forças produtivas. Estas dizem respeito à interação do homem na natureza e dos meios de que dispõe para suprir suas necessidades; aquelas são o resultado expresso da interação dos homens – quando em conjunto agem na transformação da natureza, assim como também na transformação social.

Logo, é a partir do modo como os homens organizam sua produção material de existência que eles se organizam, criam leis e costumes, estabelecendo relações em torno da noção de trabalho que é o modo como o homem intervém na natureza para satisfazer suas necessidades. Esse método visa compreender os fatos concretos, vislumbrando a possibilidade de uma reconstrução histórica do homem, que pretende ser a tomada de consciência de suas contradições, com a intenção de superá-las. E o sistema econômico ou modo de produção vigente, o capitalismo, é o desafio a ser superado em razão da imensidade de contradições evidentes no interior do sistema.

Fonte:

João Francisco P. Cabral - Colaborador Brasil Escola

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

A liberdade infinita do Eu



O mais audacioso dos pós-kantianos foi Johann Gottliebe Fichte (1762-1814), que conciliou os dualismos kantianos em um princípio denominado Eu, exposto em sua principal obra, Doutrina da Ciência.

Em Kant, tínhamos um mundo subjetivo, depositário das formas a priori do conhecimento, e um mundo objetivo, a coisa-em-si, que só pode ser conhecido quando se torna fenômeno para o sujeito. Em Fichte, o mundo objetivo nasce do mundo subjetivo, como se a realidade fosse apenas um palco que o homem teria criado para agir.

O que é esse Eu que produz a si mesmo e a realidade? É pura liberdade, pura possibilidade. Ele é infinito e ilimitado. Por exemplo, posso ser o que imaginar ser, desde que não saia de meu mundo interior. Mas, para ser alguma coisa, preciso agir no mundo externo.

Ao agir, o Eu cria o não-Eu, que é a própria realidade. Ou seja, segundo Fichte, o mundo não existiria se não fosse colocado pela vontade do Eu, pela ação do sujeito. Ele faz isso para se definir, por meio de suas ações, e vencer os obstáculos da vida.

Um exemplo pode ajudar a entender melhor a ideia. Posso ter vários talentos, para desenho, música ou matemática. Mas, para desenvolver um destes talentos, preciso estudar, fazer uma faculdade ou exercitar muito estas habilidades. Ao fazer isso, me confronto com uma série de dificuldades (a falta de dinheiro, o fato de minha cidade não ter escolas especializadas, etc.). Porém, é somente superando tais empecilhos que defino esse Eu, dizendo, por exemplo, "Eu sou músico" ou "Eu sou filósofo".

Em Fichte a realidade é criada, na interioridade do sujeito, para que o Eu atinja todo seu potencial e desenvolva suas aspirações.


Fonte:

José Renato Salatiel in educacao.uol


sábado, 22 de setembro de 2012

Protesto contra filme anti-Islã deixa 15 mortos no Paquistão

Manifestantes durante protesto contra o filme que satiriza os mulçumanos em Peshawar, Paquistão - Khuram Parvez/Reuters

Ao menos 15 pessoas morreram e 200 ficaram feridas durante manifestações nesta sexta-feira em protesto contra o vídeo anti-Islã Innocence of Muslims (Inocência dos Muçulmanos, em tradução livre do inglês) nas cidades de Peshawar e Karachi, no Paquistão. Em Peshawar, cinco morreram, e em Karachi, 10, mas o número de mortos deve subir, já que hoje é o dia sagrado para os muçulmanos, que costumam se reunir ao redor das mesquitas para protestar após as orações.
A primeira morte confirmada, em Peshawar, foi de um motorista que trabalhava para a rede de televisão paquistanesa Ary News. O canal de TV informou que a vítima, identificada como Mohammed Ahmed, tinha ido ao local para trabalhar na cobertura do protesto, do qual partipavam milhares de pessoas, e acabou baleado.
Ahmed foi atingido quando estava dentro do carro de reportagem. Levado ao hospital, não resistiu. A polícia do Paquistão confirmou sua morte, mas negou que o tiro que o matou tenha partido de seus agentes. Além dele, segundo a BBC, quatro manifestantes acabaram mortos em Peshawar. Em Karachi, entre os 10 mortos, um era policial.
Cinemas - Em outros episódios violentos, uma multidão saqueou e incendiou dois cinemas em Peshawar, onde foram registrados distúrbios desde o início da manhã. As salas de exibição teriam sido escolhidas devido à programação, que inclui filmes considerados obscenos. Além disso, em Islamabad, capital paquistanesa, islamitas invadiram a embaixada americana. Perto dali, em Rawalpindi, forças de segurança tiveram que conter manifestantes.
De acordo com a agência AFP, as forças de segurança paquistanesas continuam em estado de alerta. A polícia disse que enviou agentes para os principais pontos da capital e afirmou que reforçou a segurança nos arredores das embaixadas, que na quinta-feira tiveram de ser protegidas por tropas do exército.
Num discurso televisionado, o primeiro-ministro do Paquistão, Raja Pervez Ashraf, pediu nesta sexta-feira a seus compatriotas que protestem de forma pacífica. Por precaução, o governo decidiu cortar os serviços de telefonia celular durante o dia para dificultar a coordenação de eventuais atentados talibãs ou de fundamentalistas vinculados à rede Al Qaeda.
Charge de Maomé publicada na revista 'Charlie Hebdo'
Vídeo - Nos últimos dia, o YouTube restringiu o acesso ao vídeo anti-Islã em vários países, incluindo Líbia e Egito, onde os protestos tiveram início. Outros países, como Paquistão e Sudão, bloquearam as imagens por iniciativa própria. Nos Estados Unidos, o trailer permanecerá disponível, após a decisão de um juiz de Los Angeles que recusou o pedido de uma atriz que alegava ter sido enganada pelos produtores do filme.
Confrontos - A onda de protestos contra o filme que ridiculariza o profeta Maomé começou no dia 11 de setembro. Naquela noite, um atentado à embaixada americana em Bengasi, na Líbia, deixou quatro mortos, incluindo o diplomata J. Christopher Stevens. O vídeo, produzido nos EUA, foi condenado pelo presidente Barack Obama e considerado "repugnante" por sua secretária de Estado, Hillary Clinton. Os conflitos, que varrem o mundo árabe, já deixaram mais de 30 mortos, segundo a agência Reuters.
Líbia - Na cidade de Bengasi, centenas de manifestantes expulsaram nesta sexta-feira à noite o grupo salafista Ansar al-Sharia de seu quartel-general e incendiaram a instalação militar. Sob pressão dos manifestantes, os membros do grupo acusado de ser o responsável pelo ataque ao consulado americano atiraram para o alto antes de deixar a base, que foi atacada por centenas de moradores. "Não aos grupos armados", "Sim ao Exército na Líbia", estava escrito nos cartazes exibidos pelos manifestantes.
Outros cartazes apresentavam homenagens ao embaixador americano morto no ataque: "A Líbia perdeu um amigo", "Queremos justiça para Stevens". Antes de irem para a base da Ansar al-Sharia (Partidários da Lei Islâmica), os manifestantes já tinham expulsado uma outra milícia que ocupava um antigo prédio da segurança líbia no centro da cidade.
(Com agências EFE, AFP e Reuters)


segunda-feira, 3 de setembro de 2012

7 reis com apelidos bizarros

por Ana Carolina Prado


Os sobrenomes só começaram a ser usados da maneira como fazemos hoje a partir do século 15. Antes, só se diferenciava uma pessoa de outra do mesmo nome por meio de apelidos, que muitas vezes faziam referência à profissão ou a características físicas (e morais). Na França, por exemplo, eram comuns apelidos como Bienboire (“bom de copo”) e Fritier (“vendedor de peixe frito”). Para os monarcas, cujo nome passava de geração para geração, os apelidos eram ainda mais importantes e mais atrelados a particularidades (algumas vezes, bizarras) do seu dono. Listamos aqui sete dessas alcunhas. Inspire-se nelas para criar seu nickname na próxima rede social.
Carlos II, o Enfeitiçado
Rei da Espanha de 1665 a 1700
O último rei da família dos Habsburgos a reinar sobre a Espanha e parte da Itália era tão repulsivo que todo mundo – inclusive ele próprio – achava que era culpa de algum feitiço ou maldição. Ele chegou até a ser exorcizado.  Além de ter nascido com raquitismo e epilespsia, ele tinha problemas mentais, babava e só foi aprender a falar com quatro anos de idade. Só aos oito começou a andar. Com medo de sobrecarregar o doente, sua família lhe tratava com tanta indulgência que ninguém nem exigia que ele andasse limpo. Carlos também tinha várias superstições e dormia com amuletos debaixo do travesseiro, como fios de cabelo e unhas cortadas. Mas o problema não tinha a ver com poderes malignos. Em sua família, eram muito comuns casamentos entre parentes. Para se ter uma ideia, a mãe de Carlos era sobrinha do pai dele e filha da Imperatriz Maria Ana de Espanha. Assim, a Imperatriz era simultaneamente sua tia e sua avó. A combinação pode ter favorecido doenças genéticas. Está vendo o queixo esquisito do rei na pintura acima? Essa característica era comum em sua família e é causada por uma desordem genética chamada prognatismo mandibular. Como consequência, Carlos não conseguia mastigar direito e mal dava para entender o que ele falava. A loucura também acometeu vários de seus familiares.
Luís V, o Preguiçoso 
Rei da França de 986 a 987
Por causa de sua falta de iniciativa, o último rei da Dinastia Carolíngia da França recebeu o desagradável apelido de “Indolente” ou “Preguiçoso” ou “o Não-Faz-Nada”. Mas justiça seja feita: ele reinou por apenas um ano. Subiu ao trono quando tinha 19 anos e morreu no ano seguinte.  Além disso, o poder nessa época ficava quase sempre nas mãos dos nobres. Então, sobrou pouca coisa para ele fazer.
Selim II, O Bêbado
Imperador Otomano de 1566 a 1574
Selim II ganhou o nome graças ao seu desinteresse pelo governo, especialmente no quesito militar. Ele foi o primeiro sultão a ter tanto, digamos, desprendimento, deixando o poder nas mãos de seus ministros para ficar livre para ir atrás do que realmente importava: orgias, vinho, farras. Sua morte deu ainda mais força ao apelido. O imperador levou um tombo enquanto tomava banho bêbado. Em seguida, foi acometido por uma forte febre e acabou batendo as botas.
Pepino III, o Breve
Rei dos Francos, de 752-768
Embora as biografias não apontem suas medidas, ele era considerado baixo. Daí o apelido “Breve”. Já Pepino era seu nome de verdade –  e era bastante comum em sua família. Seu avô e tataravô também se chamavam assim e ele teve um neto, filho de seu filho Carlos Magno, que era conhecido como Pepino, o Corcunda.  Este, apesar do problema na coluna, era descrito como um homem atraente e muito amável. Pepino, o Corcunda não chegou a virar rei (foi preterido por um irmão mais novo, batizado com o mesmo nome) e , depois de uma tentativa frustrada de golpe para chegar ao poder, teve de passar o resto da vida como um monge.
Luís XI, o Rei Aranha
Rei da França de 1461 a 1483
O reinado de 22 anos de Luís XI foi tão cheio de maquinações políticas e redes (ou teias) de intrigas e conspirações que ele ganhou o apelido de Rei Aranha. Sutil, né? Entre os vários inimigos que conquistou estão Carlos VII (seu próprio pai), seu irmão, seu cunhado e o rei Eduardo IV da Inglaterra. Luís XI tirou o poder dos nobrezas e fortaleceu a monarquia, sendo considerado um dos principais responsáveis pela reunificação do reino e pela sua modernização.
Ivan, o Terrível
Czar da Rússia de 1533 a 1584
Os habitantes de Moscou sofreram muito durante o governo de Ivan, o Terrível. Com medo de suas reações sanguinárias e explosivas (o primeiro czar da Rússia tinha surtos episódicos de loucura), um monte de gente preferiu abandonar a cidade a viver sob o domínio do tirano. Ele arrasou cidades e matou milhares de pessoas. Por medo de conspiração, assassinou o filho com as próprias mãos. Por outro lado, Ivan fez da Rússia uma nação moderna e lançou as bases para que ela se tornasse um grande império mundial mais tarde. Você vai julgá-lo?
Maria, a Sanguinária (ou Bloody Mary)
Rainha de Inglaterra e da Irlanda entre 1553 e 1558
O reinado de Maria I, filha de Henrique VIII e Catarina de Aragão, durou apenas cinco anos. Mas foi um dos que mais renderam fofocas na história da Inglaterra. A rainha tentou, em vão, restaurar o catolicismo inglês e perseguiu a igreja que seu próprio pai havia fundado, mandando queimar 300 anglicanos vivos. Até sua meia-irmã, que se tornaria a célebre rainha Elizabeth I (aquela dos filmes), ficou dois meses presa na Torre de Londres. Hoje, Bloody Mary virou nome de uma bebida feita com vodca e suco de tomate.

Fonte:

Me fez













Você me fez despertar
Num mundo tão pequeno
Que só cabe nós dois

Você me fez crer
Que o céu é o chão
Por me deixar contemplar
Toda a beleza da galáxia
No seu sorriso

Você me fez calar
E perder todas as palavras
Que se tornam tão insignificantes
E sem sentido
Diante de tudo o que me faz sentir

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Kant



Na Crítica da Razão Pura, o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) tinha um problema a resolver, que dizia respeito à seguinte questão: como posso obter um conhecimento seguro e verdadeiro sobre as coisas do mundo? A resposta de Kant iria mudar o rumo da Filosofia Ocidental.

Duas escolas filosóficas, tradicionalmente, respondiam de formas diversas ao problema do conhecimento. Para os filósofos racionalistas (Platão, Descartes, Leibniz eEspinosa), todo conhecimento provém da razão, enquanto que, para os empiristas (Aristóteles, Hobbes, Locke, Berkeley eHume), ao contrário, somente os dados da experiência sensível forneceriam as bases para o conhecimento humano.

Tanto em um como em outro caso, surgem obstáculos. A razão especulativa, na medida em que deixa de validar suas investigações em testes práticos, torna-se dogmática. Já o empirismo encontra oposição noceticismo, que argumenta que a Natureza é o reino do contingente e, por esta razão, não pode ser fonte de conhecimento universal.

O filósofo inglês David Hume (1711-1776), cuja obra Kant afirma tê-lo acordado do "sono dogmático", colocou sob suspeita o princípio de causalidade, que determina que, dado uma causa x, tem-se um efeito y. Por exemplo, tenho uma pedra em minha mão e a solto de certa altura (causa), tendo como conseqüência sua queda no chão (efeito). 

Segundo Hume, não existe nada na causa (solto a pedra da mão) que contenha a relação objetiva de seu efeito (a queda no solo). Por mais vezes que eu repita a experiência, nada no mundo me dará a certeza de que a pedra cairá e não levitará, por exemplo. Portanto, conclui o filósofo inglês, a causalidade não está no mundo, mas é produto de nossos hábitos, ou seja, de tantas vezes ver a pedra cair ao ser solta, acreditamos que haja uma relação causal nos objetos, quando não passa de uma espécie de condicionamento psicológico.


A priori, a posteriori, juízo analítico e juízo sintético

Kant também vai se voltar para o sujeito em sua réplica ao ceticismo humeano, mas revestido de um caráter lógico e transcendental (e não psicológico, como em Hume). Antes de analisar a resposta de Kant, vamos ver como ele a formula a questão nos conceitos de a priori, a posteriori,analítico e sintético.

Um conhecimento que seja totalmente independente dos sentidos é chamado a priori. São, por exemplo, equações matemáticas, que posso fazer mentalmente sem me apoiar em qualquer evidência material. Um conhecimento que possui sua fonte na experiência é dado a posteriori, como as leis da física clássica, que necessitam de testes práticos para serem comprovadas.

Quando emito um juízo em que o predicado está contido no sujeito, ele é chamado juízo analítico. Por exemplo, quando digo "Azul é uma cor", o predicado "cor" já é uma qualidade do sujeito "azul" e a informação, por isso, é redundante. Mas quando faço um juízo em que um predicado é acrescentado ao sujeito, ele é chamado sintético. Por exemplo, na frase "A cadeira de minha sala é azul", acrescento ao sujeito "cadeira de minha sala" o predicado "azul" (afinal, ela poderia ser verde, vermelha, etc.). É uma informação nova, pois você poderia imaginar que a cadeira fosse de qualquer outra cor.

Todos os juízos da experiência são sintéticos, uma vez que, para obter um juízo analítico, não é preciso sair do próprio conceito, isto é, recorrer à experiência (não preciso sair de "azul" para saber que é uma cor, mas preciso ver a "cadeira" para saber de que cor ela é).

Agora podemos entender a questão central da Crítica da Razão Pura, que é "Como são possíveis os juízos sintéticos a priori?". Ou seja, como podemos ter um conhecimento a priori de questões de fato, de coisas do mundo? Em outros termos, como posso, observando um fato A, dizer algo a respeito de um fato B, uma vez que somente tenho a experiência deste fato A? Para voltar ao exemplo de Hume, como, tendo uma pedra em minha mão (fato A), antes mesmo de soltá-la sei que, ao soltá-la, ela irá cair no solo (fato B)? (Lembrando que, para Hume, não há na Natureza nada que demonstre a relação causal entre A e B.)

Formulado ainda de outra maneira: como posso, ao observar fatos particulares (uma pedra que cai), tirar daí uma regra de caráter universal (a lei da gravidade), que seja aplicada a todos outros fatos da mesma natureza?


Sujeito transcendental

Kant chamou de "revolução copernicana" sua resposta ao problema do conhecimento. O astrônomo Nicolau Copérnico (1473-1543) formulou a teoria heliocêntrica - a teoria de que os planetas giravam em torno do Sol - para substituir o modelo antigo, de Aristóteles e Ptolomeu, em que a Terra ocupava o centro do universo, o que era mais coerente com os dogmas da Igreja Católica.

Como pode ser constatado pela observação direta, o Sol se "levanta" e se "põe" todos os dias, o que tornava óbvio, aos antigos, que a Terra estava fixa e que os astros giravam em torno dela. Copérnico demonstrou que este movimento é ilusório, porque, na verdade, a Terra é que gira em torno do Sol.

Kant propôs inversão semelhante em filosofia. Até então, as teorias consistiam em adequar a razão humana aos objetos, que eram, por assim dizer, o "centro de gravidade" do conhecimento. Kant propôs o contrário: os objetos, a partir daí, teriam que se regular pelo sujeito, que seria o depositário das formas do conhecimento. As leis não estariam nas coisas do mundo, mas no próprio homem; seriam faculdades espontâneas de suanatureza transcendental. Como Kant afirma no prefácio da segunda edição da Crítica da Razão Pura:

"Até agora se supôs que todo nosso conhecimento tinha que se regular pelos objetos; porém todas as tentativas de mediante conceitos estabelecer algo a priori sobre os mesmos, através do que ampliaria o nosso conhecimento, fracassaram sob esta pressuposição. Por isso tente-se ver uma vez se não progredimos melhor nas tarefas da Metafísica admitindo que os objetos têm que se regular pelo nosso conhecimento, o que concorda melhor com a requerida possibilidade de um conhecimento a priori dos objetos que deve estabelecer algo sobre os mesmos antes de nos serem dados."

O que Kant quer dizer é que o sujeito possui as condições de possibilidade de conhecer qualquer coisa. Ele possui as regras pela quais os objetos podem ser reconhecidos. Não adianta buscar essas regras no mundo exterior, pois se cairia no problema de Hume. O mundo não tem sentido a não ser que o homem dê algum sentido a ele. O que conhecemos, então, é profundamente marcado pela maneira - humana - pela qual conhecemos. 

O computador no qual escrevo, a janela do escritório que me permite ver todas as coisas do mundo, tudo isso é matéria de conhecimento não porque exista um Deus que me faculte entender as leis dos objetos por meio da razão (como no caso de filósofos racionalistas) ou porque estes objetos sejam imprimidos em minha mente pela percepção (empirismo), mas porque eles são capturados por formas lógicas no sujeito.


Coisa-em-si

Mas ao voltar o foco para o sujeito que conhece, que "constrói" o mundo, é bloqueado todo pretenso acesso à essência dos objetos do mundo. Só temos acesso às coisas enquanto fenômenos para uma consciência. O que a realidade é, em si mesma, o que Kant chama de coisa-em-si, não é matéria de conhecimento humano, sendo, portanto, incognoscível (aquilo que não pode ser conhecido).

A coisa-em-si não pode ser conhecida mas pode ser pensada, desde que seja contraditório (conhecer, em Kant, diz respeito ao que é possível de ser objeto da experiência). 

Três objetos de estudo da metafísica podem ser pensados mas não conhecidos: Deus, a imortalidade da alma e a liberdade. Deus e a alma não podem ser conhecidos porque não aparecem como fenômenos no espaço e no tempo. A liberdade, porque contraria o princípio de causalidade: liberdade é aquilo que não tem causa, e o que é absolutamente livre não pode ser matéria de conhecimento. São, no entanto, postulados para a ética de Kant, da qual não trataremos neste artigo.

A filosofia crítica de Kant consiste, desta forma, em impor à razão os limites da experiência possível. O filósofo alemão pretende, com isso, fornecer rigor metodológico à metafísica, livrando-a de seu caráter dogmático e trazendo-a para o rumo seguro da ciência. Este método que analisa as possibilidades do conhecimento a priori do sujeito, dentro dos limites da experiência, é chamado de transcendental.

Fonte:
http://educacao.uol.com.br/filosofia

quinta-feira, 19 de julho de 2012

5 frases de filósofos que nunca foram ditas

Ana Carolina Prado
Colaboraram: Otavio Cohen e Tânia Vinhas



A arte de citar filósofos famosos para parecer mais inteligente dar peso e seriedade ao discurso é antiga e não se restringe a políticos ou apresentadores de TV. Afinal, como dizia Platão, “A coisa mais indispensável a um homem é reconhecer o uso que deve fazer do seu próprio conhecimento”. O problema é que algumas frases que ficaram famosas nas bocas e nos tweets das multidões, na verdade, nunca foram ditas.
E não adianta se gabar que a aquela citação que você publicou no Facebook está certa. “Tentar expressar as idéias de um filósofo através de uma única frase sua já é um erro em si, mesmo estando correta a citação. Elas muitas vezes são tiradas de contexto e induzem ao erro”, aponta o professor de filosofia do curso Anglo Gianpaolo Dorigo.

1- “Só os mortos conhecem o fim da guerra”, atribuída a Platão
O culpado: o comandante militar norte-americano Douglas MacArthur, filho de um dos grandes heróis da Guerra da Secessão.

Em um discurso nos anos 60, o militar atribuiu a frase a Platão. No entanto, as palavras foram escritas pelo filósofo, poeta e ensaísta espanhol George Santayana no livro “Solilóquios na Inglaterra”, de 1922. Pouco após o fim da Primeira Guerra Mundial, Santayana escreveu: “E os pobres coitados acham que estão a salvo! Eles acham que a guerra acabou! Apenas os mortos viram o fim da guerra”. Nada a ver com o nosso filosofighter grego. “A frase não me parece nem vagamente adequada à expressão das principais ideias do discípulo de Sócrates”, diz Gianpaolo Dorigo.
2- “Creio porque é absurdo”, atribuída a Santo Agostinho
O culpado: a mania de tentar resumir o pensamento dos filósofos em uma frase.
Antes de ser colocada na boca de Agostinho de Hipona, a frase havia sido atribuída a Tertuliano, autor romano das primeiras fases do Cristianismo. Esse caso curioso de reatribuição de citação tem a ver com a valorização da fé expressa pelos dois pensadores cristãos, que declaravam crer em coisas que parecem incríveis, como a ressurreição de Cristo. O problema é que tentaram resumir as ideias de ambos através de uma sentença curta que não aparece explicitamente nas obras de nenhum deles. O mais próximo que Tertuliano chegou disso foi quando disse “E o Filho de Deus morreu, o que é crível justamente por ser inepto; e ressuscitou do sepulcro, o que é certo porque é impossível”.
3- “Deus está morto”, atribuída a Nietzsche
O culpado: a descontextualização.
Aqui, o problema não é a frase, mas o conceito atribuído a Nietzsche. O mal-humorado filosofighter de fato diz isso: a frase apareceu pela primeira vez em “A gaia ciência” e está também em sua famosa obra “Assim falou Zaratustra”. Mas as palavras têm sido muito mal interpretadas. Nietzsche não se referia à morte literal de Deus nem à morte de Jesus Cristo, e essa não era uma simples declaração de ateísmo. Logo em seguida, o filósofo completa: “Deus permanece morto! E quem o matou fomos nós!”. Ele queria dizer que a humanidade havia deixado de ter Deus como força ordenadora do mundo e fonte de valores. Com a morte de Deus, ele metaforiza a morte dos valores sagrados para os homens. Assim, eles deixariam de crer em quaisquer valores impostos.
Esse tipo de mal entendido é comum quando se fala em Nietzsche. “O seu hábito de efetivamente utilizar máximas e aforismos agressivos em seus livros acabou por transformá-lo em um pensador muito citado e pouco compreendido”, explica Gianpaolo. “E suas máximas, mesmo quando citadas corretamente, muitas vezes se perdem: o que para o pensador alemão era sobretudo uma provocação, para muitos se torna uma verdade incontestável e guia para a vida, no mais puro e estilo autoajuda”, completa.
4- “Os fins justificam os meios”, atribuída a Maquiavel
O culpado: a tentativa de simplificar a ideia de “O Príncipe”.
A mais famosa frase atribuída a Nicolau Maquiavel nunca foi dita por ele. Segundo o professor Gianpaolo, trata-se de uma tentativa de condensar a ideia de sua obra “O Príncipe”, em especial do capítulo 18, em que aparecem os trechos: “…um príncipe  (…) não pode observar todas as coisas pelas quais os homens são chamados de bons, precisando muitas vezes, para preservar o Estado, operar contra a caridade, a fé, a humanidade, a religião. Aqui, “preservar o Estado” refere-se aos fins e “operar contra a caridade etc…” é interpretado como utilizar quaisquer meios. No mesmo capítulo, Maquiavel ainda diz: “nas ações de todos os homens, especialmente nas dos príncipes, quando não há juiz a quem apelar, o que vale é o resultado final”. É uma simplificação bem empobrecedora.
5- “Se Deus não existe, tudo é permitido”, atribuída a Dostoiévski
O culpado: Jean-Paul Sartre.
Desta vez, um de nossos Filosofighters foi o culpado, e não a vítima, de uma atribuição incorreta. No texto “O existencialismo é um humanismo”, Sartre diz: “Dostoiévski escreveu: ‘Se Deus não existisse, tudo seria permitido’. Eis o ponto de partida do existencialismo”. O escritor russo de fato inspirou os existencialistas, mas ele nunca disse isso. O mais próximo disso, que está em Os Irmãos Karamazov, é: “[...] é permitido a todo indivíduo que tenha consciência da verdade regularizar sua vida como bem entender, de acordo com os novos princípios. Neste sentido, tudo é permitido [...] Como Deus e a imortalidade não existem, é permitido ao homem novo tornar-se um homem-deus, seja ele o único no mundo a viver assim”.
Bônus: “Se não têm pão, que comam brioches”, atribuída a Maria Antonieta
O culpado: a autobiografia de Rousseau.
A famosa frase foi usada como argumento contra Maria Antonieta durante a Revolução Francesa. A rainha a teria dito durante sua coroação, em 1774, quando soube que o povo das províncias francesas não tinha pão para comer. Só que não. A história veio de uma passagem na autobiografia “Confissões”, de Jean-Jacques Rousseau, que diz: “Recordo-me de uma grande princesa a quem se dizia que os camponeses não tinham pão, e que respondeu: ‘Pois que comam brioche’”. Os registros históricos disponíveis, entretanto, mostram que, na época de sua coroação, Maria Antonieta se preocupava com a situação dos pobres. Numa de suas cartas à mãe, ela chega até a criticar o alto preço do pão. Especula-se que Rousseau na verdade se referia a Maria Teresa de Espanha.
Se você quer homenagear seu pensador preferido, pense bem. Em tempos de internet, essas frases podem acabar se disseminando sem controle, espalhando também uma imagem errada do seu “homenageado”.
FONTE: super.abril.com.br