sábado, 10 de agosto de 2013

As moscas livres

SOU UM HEREGE: acredito mais em horóscopo  do que nessa “ciência da sustentabilidade“. 

Duvido desse  personagem, “o ativista”, que mais parece uma mosca que voa sobre o desespero  alheio. Confio na Cruz Vermelha, nos Médicos sem Fronteira, mas desconfio  desse personagem.  Pergunto de onde vem essa grana toda. Hoje em dia ser  ativista pode ser uma boa pedida para quem gosta de conhecer o mundo e aparecer  na mídia como bonzinho. 

Afinal, quem pagou a conta daquela  “flotilha da liberdade” (que brincou com o estado de  guerra continuo que o Oriente Médio vive há uns três mil anos)? Santa Klaus?  

Imagina só que legal para o book de um ativista poder dizer“I  was there”… Tem ativista que vai viver uns vinte anos por conta daquela viagem “humanitária”. Vai acabar pousando em campanha publicitária  por aí.  Voltando a sustentabilidade. Claro que devemos cuidar da natureza. 


Uma coisa é impedir que uma fábrica jogue lixo no mar, outra coisa é  calcular quanto uma pessoa polui o mundo em seu cotidiano e gerar impostos,  leis, moral e espiritualidade em cima disso.  Quando se delira  com demônios, o ridículo é visível. Mas quando o delírio vem regado a  cálculos “científicos”, se torna invisível. A modernidade tem um  fetiche pelo controle cientifico da vida, não resiste ao gozo da opressão em  nome da ciência.

Como alguém pode conceber uma “ciência da  sustentabilidade” sem a paranoia de uma gigantesca burocracia de  controle dos detalhes da vida?  Controlar desmatamento é uma coisa,  mas calcular gases emitidos por vacas ou número de voos individuais  ou sapatos “não sustentáveis” é loucura. O ordenamento sustentável da vida se tornará um tipo de totalitarismo sem precedentes. 

E aí chegamos  à assustadora alma fascista da cultura verde. Cuidado  com o que come, onde anda, como vai ao trabalho, como faz sexo. Não viaje de  avião, não coma picanha, não enterre ou queime cadáveres. Não use sapatos, não  use casacos (vistam-se com folhas de parreira, talvez?). 


Como toda forma de  fascismo, sempre se trata, ao final, de uma forma de ódio aos humanos reais, no  caso, em nome do amor às lesmas.  Ninguém percebe a marca fascista da  “ciência da sustentabilidade”? Sistemas totalitários não precisam ser sistemas  centralizados, como no modelo do fascismo histórico. Nem tampouco o que importa  é o “conteúdo ideológico”, mas sim a forma de controle cotidiano de hábitos  considerados “poluidores da pureza” desejada. 

Basta somar “dados  científicos” à máquina gestora do estado e do mercado constrangendo o  comportamento com leis, impostos e produtos. E, finalmente, somemos  os “Kommandos” (os ativistas) que denunciarão os “poluidores” à gestão da  pureza. 

Aliás, um parêntesis: os nazistas devem estar festejando a proposta  de alguns ativistas antissemitas (sim, eu disse “antissemita”, só tolinhos creem  na diferença entre antissemita e antissionista) de boicotar a “cultura  israelense“. Sei que vão dizer que “cultura  israelense” não é a mesma coisa que “cultura judaica“, mas só os mesmos tolinhos creem nesta diferença. 


Os “não  sustentáveis” serão a bola da vez. Temo que um dia esses fascistas  verdes chegarão a conclusão que (como diz um amigo meu bem esquisito) o  canibalismo é a forma mais sustentável de viver. 

Afinal de contas, qualquer  coisa que comamos, estaremos ferindo criaturas com “direitos“.  Provavelmente advogados verdes defenderão as vacas contra a opressão  que sofrem dos carnívoros. Em seguida, será a vez das alfaces terem direitos.  O canibalismo verde pode ser a solução: a pior espécie (os humanos) que já pisou no planeta comerá a si mesma, num ritual macabro de  autopurificação em nome da sustentabilidade total. 

Por último, tenho uma  confissão a fazer. No último final de semana cometi um ato desesperado contra o  fascismo verde. Foi apenas um pequeno ato singelo que desaparecerá no oceano dos  dias por vir.

Queimei com meu charuto uma maldita mosca que voava sobre mim.  Minha culpa, minha máxima culpa… Será que já existe alguma ONG denominada “Free Flies” (Moscas Livres)?



Fonte:
Luis Felipe Pondé, pernambucano, filósofo, escritor e ensaísta, doutor pela USP, pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, professor da PUC-SP e de Faap, discute temas como comportamento contemporâneo, religião, niilismo, ciência. Autor de vários títulos, entre eles, “Contra um mundo melhor” e “Guia politicamente incorreto da filosofia”. Escreve na versão impressa da Folha.