quinta-feira, 25 de outubro de 2012

O homem está condenado a ser livre




Existencialismo é um conjunto de doutrinas filosóficas que tiveram como tema central a análise do homem em sua relação com o mundo, em oposição a filosofias tradicionais que idealizaram a condição humana.

É também um fenômeno cultural, que teve seu apogeu na França do pós-guerra até meados da década de 1960, e que envolvia estilo de vida, moda, artes e ativismo político. Como movimento popular, o existencialismo iria influenciar também a música jovem a partir dos anos 1970, com os góticos e, atualmente, os emos.

Apesar de sua fama de pessimista e lúgubre, o existencialismo, na verdade, é apenas uma filosofia que não faz concessões: coloca sobre o homem toda a responsabilidade por suas ações.

O escritor, filósofo e dramaturgo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), maior expoente da filosofia existencialista, parte do seguinte princípio: a existência precede a essência. Com isso, quer dizer que o homem primeiro existe no mundo - e depois se realiza, se define por meio de suas ações e pelo que faz com sua vida.

Assim, os existencialistas negam que haja algo como uma natureza humana - uma essência universal que cada indivíduo compartilhasse -, ou que esta essência fosse um atributo de Deus. Portanto, para um existencialista, não é justo dizer "sou assim porque é da minha natureza" ou "ele é assim porque Deus quer".

Ao contrário, se a existência precede a essência, não há nenhuma natureza humana ou Deus que nos defina como homens. Primeiro existimos, e só depois constituímos a essência por intermédio de nossas ações no mundo. O existencialismo, desta forma, coloca no homem a total responsabilidade por aquilo que ele é.

Somos os responsáveis por nossa existência

Se o homem primeiro existe e depois se faz por suas ações, ele é um projeto - é aquele que se lança no futuro, nas suas possibilidades de realização. O que isso quer dizer?

Eu não escolho nascer no Brasil ou nos EUA, pobre ou rico, branco ou preto, saudável ou doente: sou "jogado" no mundo. Existo. Mas o que eu faço de minha vida, o significado que dou à minha existência, é parte da liberdade da qual não posso me furtar. Posso ser escritor, poeta ou músico. No entanto, se sou bancário, esta é minha escolha, é parte do projeto que eliminou todas as outras possibilidades (escritor, poeta, músico) e concretizou uma única (bancário).

E, além disso, tenho total responsabilidade por aquilo que sou. Para o existencialista, não há desculpas. Não há Deus ou natureza a quem culpar por nosso fracasso. A liberdade é incondicional e é isso que Sartre quer dizer quando afirma que estamos condenados a sermos livres: "Condenado porque não se criou a si próprio; e, no entanto, livre, porque uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer" (em O existencialismo é um humanismo, 1978, p. 9). 

Portanto, para um existencialista, o homem é condenado a se fazer homem, a cada instante de sua vida, pelo conjunto das decisões que adota no dia-a-dia.

"Tive que cuidar dos filhos, por isso não pude fazer um curso universitário." "Não me casei porque não encontrei o verdadeiro amor." "Seria um grande ator, mas nunca me deram uma oportunidade de mostrar meu talento." Para Sartre, nada disso serve de consolo e não podemos responsabilizar ninguém pelo que fizemos de nossa existência. O que determina quem somos são as ações realizadas, não aquilo que poderíamos ser. A genialidade de Cazuza ou Renato Russo, por exemplo, é o que eles deixaram em suas obras, nada além disso.

O peso e a importância da liberdade

Mas ao escolher a si próprio, a sua existência, o homem escolhe por toda a humanidade, isto é, sua escolha tem um alcance universal. João é casado e tem três filhos: fez uma opção pela monogamia e a família tradicional. Já seu amigo José é filiado a um partido político e vai para o trabalho de bicicleta: acha correta a participação política e se preocupa com o meio ambiente. As escolhas de José e João têm um valor universal. Ao fazer algo, deveríamos nos perguntar: e se todos agissem da mesma forma, o mundo seria um lugar melhor de se viver?

E é por esta razão que o viver é sempre acompanhado de angústia. Quando escolhemos um caminho, damos preferência a uma dentre diversas possibilidades colocadas à nossa frente. Seguimos o caminho que julgamos ser o melhor, para toda humanidade.

Fugir deste compromisso é disfarçar a angústia e enganar sua própria consciência. É agir de má-fé, segundo Sartre. Neste caso, abro mão de minha responsabilidade. Digo: "Ah... nem todo mundo faz assim!", ou então delego a responsabilidade de meus atos à sociedade, às pessoas de meu convívio familiar e profissional ou a um momento de ira ou paixão. No entanto, para os existencialistas, esta é uma vida inautêntica.

À primeira vista, o peso da liberdade depositado no homem pelos filósofos existencialistas pode parecer excessivamente pessimista, fatalista, de uma solidão extrema no íntimo de nossas decisões. Mas, ao contrário, o existencialista coloca o futuro em nossas mãos, nos dá total autonomia moral, política e existencial, além da responsabilidade por nossos atos. Crescer não é tarefa das mais fáceis.

Em Sartre, o nada aparece ao homem quando este, numa atitude interrogativa junto ao ser, entra em relação com o mundo. Deste modo, Sartre investiga a interrogação como conduta primeira porque, segundo ele, ela é “uma atitude dotada de significação” (SARTRE, 2001, p. 44). 

De acordo com Sartre (2001, 51), “o não-ser [nada] não vem às vezes pelo juízo da negação: ao contrário, é o juízo de negação que está condicionado e sustentado pelo não-ser [nada]”. Sartre analisa a possibilidade da origem do nada a partir de duas vertentes: a primeira, a concepção dialética de Hegel (que não interessa 
aqui) e a segunda, que é a concepção fenomenológica, onde Sartre expõe as contribuições de Heidegger.




Fonte:

José Renato Salatiel - educação.uol.com.br

SARTRE, Jean-Paul. O Ser e o Nada – Ensaio de Ontologia Fenomenológica. Petrópolis – RJ: Vozes, 2001.

Unesp Revistas Eletrônicas




sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Dialética?




A dialética pode ser descrita como a arte do diálogo. Uma discussão na qual há contraposição de idéias, onde uma tese é defendida e contradita logo em seguida; uma espécie de debate. Sendo ao mesmo tempo, uma discussão onde é possível divisar e defender com clareza os conceitos envolvidos.

A prática da dialética surgiu na Grécia antiga, no entanto, há controvérsias a respeito do seu fundador. Aristóteles considerava a Zenôn como tal, já outros defendem que Sócrates foi o verdadeiro fundador da dialética por usar de um método discursivo para propagar suas idéias.

A DIALÉTICA EM PLATÃO

Para Platão a dialética é o único caminho que leva ao verdadeiro conhecimento. Pois a partir do método dialético de perguntas e respostas é possível iniciar o processo de busca da verdade. Em sua Alegoria da Caverna, Platão fala da existência de dois mundos: o mundo sensível e o mundo das idéias. Sendo o segundo alcançado apenas através da dialética, da investigação de conceitos.

A DIALÉTICA EM HEGEL

Em Hegel, a dialética se movimenta da seguinte forma: primeiro existe a TESE, que é a idéia, gerando uma ANTÍTESE, que se contrapõe à TESE, surgindo assim a SÍNTESE, que é a superação das anteriores. Hegel aplicava esse raciocínio à realidade e aos diferentes momentos da história humana. Desde as antigas civilizações do oriente até a concepção de Estado Moderno, constando nesse ínterim, acontecimentos como o surgimento da filosofia, o iluminismo e a Revolução Francesa. Ou seja, a história estaria dividida em três etapas, correspondendo exatamente à TESE, ANTÍTESE e SÍNTESE. A SÍNTESE representa a superação da contradição.

A DIALÉTICA MARXISTA

Karl Marx reformula o conceito de dialética em Hegel, voltando-o para a sociedade, as lutas de classes vinculadas a uma determinada organização social, surgindo assim, a chamada: dialética materialista ou materialismo dialético.

A dialética materialista une pensamento e realidade, mostrando que a realidade é contraditória ao pensamento dialético. Contradições estas, que é preciso compreender para então, transpô-las através da dialética. Marx fala da dialética sempre em um contexto de luta de classes, diferentes interesses, que geram a contradição. Sendo assim, o materialismo dialético é uma das bases do pensamento marxista.


A dialética hegeliana afirmava que os fenômenos continham em si um movimento intrínseco, causador de um devir perpétuo e que assinalava sua própria negação, conservação e síntese. Essa forma de expressar a contradição – o conflito como a própria substância da realidade – foi a solução dada por Hegel ao idealismo predominante em sua época e que tornou o ser das coisas intangível, por isso imutável, restando apenas a aparência enquanto movimento. Assim, a dialética apontaria as contradições da vida social que desembocariam na negação de uma determinada ordem. Já com o materialismo de Feuerbach, captava-se a realidade a partir das sensações e essas determinavam a consciência das ações dos homens.

Ao ser influenciado por ambas as correntes, Marx tratou ao mesmo tempo de refutá-las e sintetizá-las, mesmo que a partir de uma inversão. Segundo a abordagem da vida social, Marx concebeu que os homens têm como base de suas relações o modo como produzem seus meios de existência. Tal método foi denominado materialismo histórico-dialético. Ele não tem como meta estabelecer leis gerais do movimento, mas elucidar fatos concretos de como esse movimento se deu na História.

Essa perspectiva concebe a efemeridade de todos os fenômenos, atestando, inclusive, e principalmente, que os processos de produção são transitórios (e não imutáveis) e que destes dependem as concepções que regem as relações sociais,bem como determinam as consciências individuais.

A produção de meios materiais permitiu e permite que os homens continuem a existir, satisfazendo suas necessidades. Essa produção, enquanto fato histórico, é o que determina, segundo Marx, a interação dos homens com a natureza, bem como com os outros indivíduos, reproduzindo os processos de produção e transmitindo-os para assegurar a manutenção da existência social.           

É a partir do processo de produção que os homens estabelecem relações sociais e criam as condições para regular os interesses coletivos. O trabalho é o fundamento do materialismo histórico que determina os fatores econômicos, sociais, políticos, etc.

No entanto, o processo produtivo se desenvolveu em estágios determinados, não sendo fruto da vontade individual. O estado de desenvolvimento social é intrinsecamente realizado a partir de suas relações de produção e de suas forças produtivas. Estas dizem respeito à interação do homem na natureza e dos meios de que dispõe para suprir suas necessidades; aquelas são o resultado expresso da interação dos homens – quando em conjunto agem na transformação da natureza, assim como também na transformação social.

Logo, é a partir do modo como os homens organizam sua produção material de existência que eles se organizam, criam leis e costumes, estabelecendo relações em torno da noção de trabalho que é o modo como o homem intervém na natureza para satisfazer suas necessidades. Esse método visa compreender os fatos concretos, vislumbrando a possibilidade de uma reconstrução histórica do homem, que pretende ser a tomada de consciência de suas contradições, com a intenção de superá-las. E o sistema econômico ou modo de produção vigente, o capitalismo, é o desafio a ser superado em razão da imensidade de contradições evidentes no interior do sistema.

Fonte:

João Francisco P. Cabral - Colaborador Brasil Escola

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

A liberdade infinita do Eu



O mais audacioso dos pós-kantianos foi Johann Gottliebe Fichte (1762-1814), que conciliou os dualismos kantianos em um princípio denominado Eu, exposto em sua principal obra, Doutrina da Ciência.

Em Kant, tínhamos um mundo subjetivo, depositário das formas a priori do conhecimento, e um mundo objetivo, a coisa-em-si, que só pode ser conhecido quando se torna fenômeno para o sujeito. Em Fichte, o mundo objetivo nasce do mundo subjetivo, como se a realidade fosse apenas um palco que o homem teria criado para agir.

O que é esse Eu que produz a si mesmo e a realidade? É pura liberdade, pura possibilidade. Ele é infinito e ilimitado. Por exemplo, posso ser o que imaginar ser, desde que não saia de meu mundo interior. Mas, para ser alguma coisa, preciso agir no mundo externo.

Ao agir, o Eu cria o não-Eu, que é a própria realidade. Ou seja, segundo Fichte, o mundo não existiria se não fosse colocado pela vontade do Eu, pela ação do sujeito. Ele faz isso para se definir, por meio de suas ações, e vencer os obstáculos da vida.

Um exemplo pode ajudar a entender melhor a ideia. Posso ter vários talentos, para desenho, música ou matemática. Mas, para desenvolver um destes talentos, preciso estudar, fazer uma faculdade ou exercitar muito estas habilidades. Ao fazer isso, me confronto com uma série de dificuldades (a falta de dinheiro, o fato de minha cidade não ter escolas especializadas, etc.). Porém, é somente superando tais empecilhos que defino esse Eu, dizendo, por exemplo, "Eu sou músico" ou "Eu sou filósofo".

Em Fichte a realidade é criada, na interioridade do sujeito, para que o Eu atinja todo seu potencial e desenvolva suas aspirações.


Fonte:

José Renato Salatiel in educacao.uol