terça-feira, 24 de abril de 2012

Ciberconflito

O fim de semana foi marcado por ataques de aliados brasileiros da organização hacktivista Anonymous aos sites da Secretaria de Inteligência dos Estados Unidos e do Departamento de Justiça norte-americano. O Havittaja, um dos grupos que seguem a ideologia do Anonymous, assumiu a autoria dos ciberataques por meio de seu perfil no Twitter, com quase 19 mil seguidores. A mensagem de comemoração foi em tom bem humorado: “Brasil samba na cara da CIA”.



O primeiro alvo dos hackers, no fim do último domingo (15), foi o site da Prefeitura de Belém do Pará. O grupo que diz "não aceitar corrupção" iniciou um ataque nos moldes tradicionais do Anonymous, ou seja, por DDOS (negação de serviço dos servidores, que ficam sobrecarregados), e tirou a página do ar por algumas horas. Com o objetivo alcançado, os membros do Havittaja, então, elegeram um novo, e teoricamente mais complicado, alvo: o site oficial da CIA (Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos).

A ação foi rápida e eficaz, ganhando notoriedade em todo o mundo rapidamente. Diversos veículos de imprensa noticiaram o ciberataque e colocaram o grupo em evidência. Outros hackers festejaram o ataque e elogiaram os brasileiros nas redes sociais.

Esta queda no serviço da CIA durou pouco mais de 1 hora e meia. Mas a “festa” dos hackers ainda estava longe de acabar: “Vamos começar de novo pelo LULZ”, anunciaram no Twitter. A próxima vítima foi o Departamento de Justiça dos EUA. Mais uma vez, missão cumprida.

Esta é a primeira vez que um grupo de fora dos Estados Unidos confirma a autoria de um ciberataque contra páginas de órgãos do país. Além disso, outros seguem em andamento nesta segunda-feira (16). Tudo faz parte de uma campanha lançada no Twitter pelo#FreeAnonsWorldWide, que segue a ideologia do Anonymous. Eles pedem que hacktivistas do grupo, que foram presos em diversos países, sejam soltos.

FONTE:

techtudo.com.br/noticias

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Faces do terrorismo



É possível a nação vencer uma suposta guerra contra o terrorismo? Se for o caso, como? Se não, o que deveria fazer a administração Bush jura prevenir-se de atentados como os que sofreram Nova York e Washington?

CHOMSKY: Se quisermos refletir seriamente sobre essa questão, devemos reconhecer que em grande parte do mundo os EUA são vistos como um Estado líder do terrorismo, e por uma boa razão. Podemos considerar, por exemplo, que em 1986 os EUA foram condenados pela Corte Mundial por "uso ilegal da força" (terrorismo internacional) e então vetou uma resolução do Conselho de Segurança da ONU que instava todos os países (referindo-se aos EUA) a aderir às leis internacionais. Este é apenas um, entre inúmeros exemplos.

Mas, para nos mantermos especificamente na pergunta apresentada o terrorismo alheio dirigido contra nós , sabemos muito bem como o problema deve ser tratado, caso queiramos diminuir a ameaça em vez de agravá-la, em escala crescente. Quando as bombas do IRA explodiram em Londres, ninguém falou em bombardear Belfast, ou Boston, as fontes da maior parte do apoio financeiro recebido pelo IRA. Deu-se preferência a se providenciar a captura dos criminosos, e muitos esforços foram empreendidos para enfrentar com o que sustentava o terror. Quando um edifício federal foi explodido na cidade de Oklahoma, logo houve um clamor defendendo que se bombardeasse o Oriente Médio, o que provavelmente teria acontecido se a origem do atentado estivesse lá. Mas, quando se descobriu que ela era doméstica, com articulações de milícias de extrema direita, ninguém disse nada a respeito de destruir os Estados americanos de Montana e Idaho.

Em vez disso, deflagrou-se uma caçada aos responsáveis pelo atentado, que foram presos, levados a julgamento e sentenciados, e empreenderam-se esforços para entender o ressentimento que estava por trás desses crimes, assim como para dirimir o problema. Praticamente todo crime - seja um assalto na rua ou uma atrocidade de proporções colossais - tem sua razão, e o mais usual é compreendermos que essas razões devem ser levadas em conta e que precisamos resolver o problema.

Há formas apropriadas e legais de se proceder em relação a crimes, sejam quais forem as suas proporções. E há precedentes. Um nítido exemplo é o que acabei de mencionar, um exemplo que não admite controvérsias, devido à reação das mais altas autoridades internacionais.

Nos anos 1980, a Nicarágua foi vítima de um violento ataque conduzido pelos EUA. Dezenas de milhares de pessoas morreram. O país sofreu uma substancial devastação e jamais pôde se recuperar. O ataque terrorista internacional foi acompanhado por uma arrasadora guerra econômica, que um pequeno país, isolado do mundo por uma vingativa e cruel superpotência, dificilmente poderia enfrentar, como revelaram em detalhes os principais historiadores que estudam a Nicarágua, como Thomas Walker, por exemplo. Os efeitos sobre o país foram muito mais severos do que a tragédia ocorrida recentemente em Nova York. E eles não retaliaram bombardeando Washington. Eles recorreram à Corte Mundial, que deliberou em seu favor, ordenando aos EUA que voltassem atrás e pagassem uma reparação substancial. Os EUA desdenharam da Corte Mundial e de sua sentença, respondendo com uma nova onda de intensificação dos ataques à Nicarágua. O país, então, recorreu ao Conselho de Segurança, que em conseqüência passou a discutir uma resolução determinando aos Estados que observassem as leis internacionais. Os EUA, e tão-somente eles, vetaram a resolução. A Nicarágua foi então à Assembléia-Geral, que discutiu uma resolução similar, com a oposição, por dois anos seguidos, apenas dos EUA e de Israel (tendo certa vez a adesão de El Salvador). É assim que um Estado deve proceder. Se a Nicarágua fosse suficientemente poderosa, poderia ter convocado uma outra corte criminal. Essas seriam medidas que os EUA deveriam tomar, sendo que no caso ninguém teria como bloqueá-las. É isso que todo mundo está pedindo que os EUA façam, incluindo aí seus aliados.

Convém lembrar que os governos do Oriente Médio e do Norte da África, como o governo terrorista da Argélia, um dos mais perniciosos do gênero, ficariam contentes em juntar-se aos EUA para fazer oposição às redes terroristas que os atacam. São o seu inimigo principal, mas até eles estão pedindo provas, já que querem agir dentro de moldes minimamente comprometidos com as leis internacionais. A posição do Egito é mais complexa. Eles estão inseridos no sistema original que organizou as forças islâmicas radicais, do qual a rede de bin Laden faz parte. Foram as primeiras vítimas dessa estrutura, quando Sadat foi assassinado. E têm sido as principais vítimas dela, desde então. Gostariam muito de esmagá-la, mas, segundo declaram, apenas depois que alguma prova for apresentada, indicando culpados, e em obediência à Declaração da ONU e sob a égide de seu Conselho de Segurança.

É esse o curso a seguir para reduzir a probabilidade de futuras atrocidades. Há, entretanto, um outro caminho: reagir com extrema violência e aguardar a escalada de violência que virá, dentro do mesmo ciclo, levando a futuras atrocidades similares a estas que estão instigando pessoas a pedir vingança. Conhecemos essa dinâmica.

EUA – O Único Estado Terrorista condenado pela ONU

Vale a pena lembrar – particularmente por se tratar de um dado que foi sistematicamente ocultado – que os EUA são o único país do mundo que já foi condenado  por terrorismo internacional pela Corte Mundial e que vetou uma resolução do Conselho de Segurança que exigia que eles respeitassem as leis internacionais.

Os Estados Unidos são reincidentes no terrorismo internacional. Há alguns exemplos menos gritantes, em comparação com o da Nicarágua. Todos aqui se sentiram indignados, com justiça, pelo que aconteceu no episódio da bomba na cidade de Oklahoma e, por alguns dias, as manchetes anunciavam: “Oklahoma ficou parecendo Beirute.” Mas não vi ninguém destacando que Beirute também se parecia com Beirute, e em parte é porque a administração Reagan promoveu uma explosão de bombas, em moldes terroristas, em 1985, muito parecida à de Oklahoma - um caminhão cheio de explosivos, deixado do lado de fora de uma mesquita e com um timer ajustado para explodir na hora em que as pessoas estivessem saindo, de modo a matar o maior número delas. Oitenta pessoas foram mortas e 250 feridas, a maioria mulheres e crianças, de acordo com as reportagens do Washington Post três anos mais tarde. A bomba terrorista visava um sacerdote muçulmano que não era apreciado por eles e a quem eles não conseguiram atingir. Isso não é segredo para ninguém. Não sei que nome se dá ao tipo de política que se constitui na principal causa da morte de, quem sabe? Milhões de civis no Iraque, entre eles talvez meio milhão de crianças, que é o preço que o Secretário de Estado diz que nós estamos dispostos a pagar. Há algum nome para isso?

Apoiar as atrocidades cometidas por Israel é outro bom exemplo.

Apoiar o massacre da Turquia contra as populações curdas, que recebeu da administração Clinton uma decisiva sustentação, na forma de 80% dos armamentos lá utilizados, um estímulo à escalada de atrocidades, é outro exemplo substancial. E aqui se trata de uma verdadeira atrocidade em massa, uma das mais ferozes campanhas de "limpeza étnica" e destruição genocida dos anos 1990, muito mal divulgada devido à proeminente responsabilidade dos EUA no caso - e quando mencionada, é tomada como uma demonstração de falta de polidez, logo descartada como uma pequena "falha" em nossa dedicada cruzada pelo "fim da desumanidade" cometida pelo mundo afora.

Ou vamos falar da destruição das instalações farmacêuticas de Al-Shifa, no Sudão, uma breve nota de pé de página no histórico do Estado de terror, logo esquecida. Qual teria sido a nossa reação se bin Laden tivesse destruído metade dos suprimentos farmacêuticos dos EUA, bem como as instalações indispensáveis para repô-los? Podemos imaginar facilmente, apesar de a comparação ser injusta: as conseqüências foram muito mais graves no Sudão. Deixando isso de lado, se os EUA ou Israel, ou a Inglaterra, fossem o alvo de tal atrocidade, que reação teriam? No nosso caso, dizemos: "Ora, que pena, uma pequena falha nossa, vamos para o próximo item, e que as vítimas se danem.” Mas as demais pessoas no mundo não reagem dessa forma. Quando bin Laden fala desses atentados, ele toca numa corda bastante sensível, mesmo para aqueles que o desprezam e temem. E, infelizmente, o mesmo vale para todo o restante de sua retórica.

Apesar de ser uma mera nota de pé de página, o caso do Sudão é bastante instrutivo. Um aspecto interessante é a reação que ocorre quando alguém se atreve a mencioná-lo. Eu já o fiz algumas vezes e tornarei a fazer, em resposta a questões levantadas por jornalistas, logo após os atentados de 11 de setembro. Observei na ocasião que o número de vítimas do "crime horrendo" de 11 de setembro, cometido com "absoluta e medonha crueldade" (citando Robert Fisk), poderia ser comparado às conseqüências do bombardeio que Clinton dirigiu contra as instalações de Al-Shifa, em agosto de 1998. A conclusão, muito plausível, desencadeou uma reação extraordinária, que ocupou muitos jornais e web.cites.com condenações exaltadas, e bastante empoladas, que vou ignorar. O único aspecto importante é que esta simples frase - que, num exame mais próximo, parece até pouco enfática - foi considerada por alguns comentaristas como totalmente ultrajante. É difícil escapar da conclusão de que, em um nível mais profundo, muito embora possam negá-lo para si mesmos, eles encaram seus crimes contra os mais fracos como tão normais quanto o ar que respiram.

FONTE:

www.culturabrasil.org

terça-feira, 3 de abril de 2012

Adam Smith: ideias que não devemos esquecer


Em tempos de crise econômica, a primeira vítima normalmente é o livre comércio e a primeira atitude é a regulação dos mercados. Apesar do que os países componentes do G-20 têm declarado, a história mostra que sempre depois de uma crise os países tendem a aumentar o protecionismo. Da mesma forma, logo que estouram bolhas as bolsa e os mercados tendem a ser mais regulados, com direta intervenção da autoridade estatal. Aqui não resta dúvida: os governos americano e europeu vêm sendo obrigados a entrar como sócios em instituições financeiras consideradas sólidas até bem pouco tempo.
Contudo, em tempos de insegurança e pessimismo quanto ao funcionamento dos mercados, e em última instância do próprio capitalismo, nada melhor que lembrarmos do economista que lançou as bases do pensamento liberal: o escocês Adam Smith com a publicação do livro “Indagações sobre a natureza e as causas da riqueza das nações”, em 1776.
O livro se concentra em uma meta particular: descobrir leis que expliquem como conquistar a riqueza. E tais leis estariam no desejo humano de melhorar suas condições de vida. Smith descobriu um “… desejo de melhorar a nossa condição, um desejo que, embora geralmente calmo e desapaixonado, vem conosco do útero, e nunca nos abandona até que nós vamos para o túmulo”.
Entre o nascimento e morte “… existe um instante escasso e talvez único no qual qualquer homem está tão perfeita e completamente satisfeito com a sua situação, que não tem nenhum desejo de alteração ou melhoria de nenhum tipo”. Existiria ainda “…uma certa propensão na natureza humana (…) para negociar, permutar e trocar uma coisa por outra (…) isso é comum a todos os homens”. Para aumentar a riqueza das nações, Smith argumenta que a sociedade deveria explorar essas tendências naturais.
A seguir apresentamos alguns tópicos sobre o pensamento exposto no livro “A Riqueza das Nações”:
Egoísmo: seria uma rica fonte natural de prosperidade, pois nossas ações visam única e exclusivamente nosso próprio benefício. Numa passagem famosa, temos:
“Não é pela benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que nós contamos com o nosso jantar, mas pela consideração do seu próprio interesse”.
Mesmo aqueles que gostam de abater gado, fabricar cerveja ou fazer pães não gostariam de fazer isso todos os dias se eles não fossem recompensados pelo trabalho. No livro “O Economista Clandestino”, de Tim Harford, encontramos uma alegoria muito interessante sobre os benefícios do egoísmo de Smith:
“Eu, de forma egoísta, compro cuecas, mas ao fazê-lo transfiro recursos para as mãos dos fabricantes de cuecas e não faço mal a ninguém. Os trabalhadores na indústria têxtil da China, onde a cueca é fabricada, buscam de forma egoísta o melhor emprego, enquanto os empresários buscam, também de maneira egoísta, contratar os empregados mais capazes. Tudo isso beneficia a todos. Os bens são manufaturados apenas se as pessoas quiserem comprá-los e são produzidos pelos mais aptos a fazê-lo. Motivos talvez egoístas são postos a serviço de todos”
Mão invisível – livre mercado: apesar de ser o egoísmo de cada um que rege suas ações, as pessoas podem se mover por diferentes caminhos e, ainda assim, se harmonizar e ajudar um ao outro – mas não intencionalmente. Noutra afirmação clássica, Smith declara que se todos procurarem promover o seu próprio interesse, a sociedade prospera como um todo:
“Ele (…) nem pretende promover o interesse público, nem sabe o quanto ele o está promovendo (…) visa apenas ao seu próprio ganho, e está nisso, como em muitos outros casos, guiado por uma mão invisível para promover um fim que não era parte de sua intenção”
Essa mão invisível simplesmente simboliza o verdadeiro orquestrador da harmonia social – o livre mercado. O escritor Todd G. Buchholz, em seu livro “Novas idéias de economistas mortos”, dá o exemplo de John, um jovem escultor que um belo dia resolve esculpir estátuas de grandes abutres para vender em sua comunidade. Nem preciso dizer que o mercado para esculturas de abutres não é lá muito grande, o que faz John rapidamente desistir dos abutres e passa a produzir mesas, produto esse que encontra uma melhor acolhida entre seus vizinhos.
Divisão do trabalho: o exemplo clássico de Smith é a fábrica de alfinetes, onde ao invés de cada trabalhador começar do arame até chegar ao alfinete acabado, seria mais inteligente dividir o trabalho entre os diversos processos de produção, ganhando-se agilidade e produtividade.
Honestidade: para Smith, a honestidade é a melhor política na condução dos negócios. Quando há um cenário de confiança entre os agentes, as operações se dão de forma mais fluida, sem a participação de intermediários ou ferramentas que atestem a validade do que está sendo proposto. Em outras palavras ganha-se tempo e dinheiro. Para Smith:
“A natureza, quando formou o homem para a sociedade, dotou-o de um desejo original de agradar e de uma aversão original a ofender os irmãos. Ela lhe ensinou a sentir prazer quando o avaliam de maneira favorável e dor quando o avaliam de maneira desfavorável.”
Ele ainda acrescentou:
“O êxito da maioria (…) quase sempre depende da simpatia e da opinião favorável dos semelhantes; e sem uma conduta toleravelmente regular, é raro obtê-las. O bom e velho provérbio, portanto, segundo o qual a honestidade é sempre a melhor política, se mantém, em tais situações, e quase sempre é verdadeiro.”
Como vemos, são princípios simples, mas descritos com a genialidade de Smith, que nortearam o pensamento liberal e a forma de fazer negócios nos últimos 200 anos de economia capitalista. Infelizmente, de tempos em tempos parece que alguns desses ensinamentos são esquecidos e acabam sendo substituídos por outros nem tão brilhantes. O resultado é conhecido: escuridão do pensamento, pobreza e crises financeiras.
Bibliografia
  • ARIELY, Dan. Previsivelmente irracional: as forças ocultas que formam as nossas decisões. Tradução de Jussara Simões. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.
  • BUCHHOLZ, Todd G. Novas Idéias de economistas mortos; tradução de Luiz Guilherme Chaves e Regina Bhering. Rio de Janeiro: Record, 2000.
  • GONÇALVES, Carlos e GUIMARÃES, Bernardo. Economia sem truques: o mundo a partir das escolhas de cada um. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.
  • HARFORD, Tim. O economista clandestino. Tradução de Fernando Carneiro. Rio de Janeiro: Record, 2007.
  • MCMILLAN, John. A reinvenção do bazar: uma história dos mercados; tradução de Sergio Góes de Paula. Rio de Janeiro: Jorge Zahar E., 2004.
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Alexsandro R. Bonatto, economista e com MBA em Gestão Empresarial, é professor universitário, instrutor e sócio da Ventura Corporate, empresa de treinamentos corporativos. Tem mais de 13 anos de experiência no mercado de crédito.

Movimento "Ocupe" é inédito em termos de escala e de caráter



  •  Mohd Rasfan/AFP
Dar uma palestra sobre Howard Zinn é uma experiência agridoce para mim. Lamento que ele não esteja aqui para revigorar e fazer parte de um movimento que foi o sonho da vida dele. Ele certamente criou boa parte da base disso.
Se as ligações e associações que estão sendo estabelecidas nesses acontecimentos notáveis puderem ser mantidas pelo longo e difícil período que vem pela frente – vitórias não chegam rapidamente – os protestos do Occupy poderão marcar um momento significativo na História americana.
Nunca vi nada como o movimento Occupy, em termos de escala e de caráter, tanto aqui como no resto do mundo. Os postos avançados do movimento estão tentando criar comunidades cooperativas que talvez possam ser exatamente a base para organizações duradouras necessárias para superar as barreiras futuras e a reação que já está acontecendo.
Parece apropriado o fato de o Occupy ser um movimento sem precedentes, uma vez que esta é uma era sem precedentes, não só neste momento, mas desde os anos 1970.
Os anos 1970 marcaram um ponto de virada para os Estados Unidos. Desde sua origem, este país tem visto sua sociedade se desenvolver, nem sempre da melhor forma, mas com um avanço geral na direção da industrialização e da riqueza.
Mesmo em tempos sombrios, a expectativa era de que o progresso continuaria. Só tenho idade para me lembrar da Grande Depressão. Em meados dos anos 1930, embora a situação objetivamente estivesse muito mais difícil do que hoje, o espírito era bem diferente.
Um movimento militante operário estava se organizando – o CIO (Congresso de Organizações Industriais) e outros – e trabalhadores estavam fazendo paralisações, só a um passo de assumirem as fábricas, gerenciando-as eles mesmos.
Sob pressão popular, a legislação do New Deal foi aprovada. A sensação geral era de que os tempos difíceis ficariam para trás.
Agora existe um sentimento de desesperança, às vezes de desespero. Isso é bastante novo em nossa História. Nos anos 1930, a classe trabalhadora conseguia prever que os empregos voltariam. Hoje, se você trabalha na indústria, com o desemprego praticamente nos níveis da época da Depressão, você sabe que esses empregos podem sumir para sempre caso as políticas atuais persistam.
Essa mudança na perspectiva americana mudou a partir dos anos 1970. Numa inversão, vários séculos de industrialização se voltaram para a desindustrialização. É claro que a indústria continuou, mas em outros países – muito lucrativo, embora prejudicial à força de trabalho.
A economia mudou o foco para as finanças. Instituições financeiras se expandiram enormemente. Um círculo vicioso entre finanças e políticas se acelerou. Cada vez mais, a riqueza foi se concentrando no setor financeiro. Os políticos, diante do custo crescente das campanhas, foram levados a buscar cada vez mais fundo nos bolsos de financiadores ricos.
E os políticos os recompensaram com políticas favoráveis a Wall Street: desregulação, mudanças tributárias, relaxamento de regras de governança corporativa, que intensificaram o círculo vicioso. O colapso era inevitável. Em 2008, o governo mais uma vez veio em socorro das empresas de Wall Street que supostamente eram grandes demais para falir, com dirigentes grandes demais para serem presos.
Hoje, para um décimo do 1% da população que mais lucrou com essas décadas de ganância e enganação, tudo está bem.
Em 2005, o Citigroup – que, aliás, foi resgatado repetidas vezes pelo governo – viu os ricos como uma oportunidade para crescer. O banco distribuiu um folheto para investidores que os incentivava a colocarem seu dinheiro em algo chamado Índice de Plutonomia, que identificava as ações das empresas que atendem ao mercado de luxo.
“O mundo está se dividindo em dois blocos: a plutonomia e o resto”, resumiu o Citigroup. “Os Estados Unidos, o Reino Unido e o Canadá são as principais plutonomias: economias impulsionadas pelo luxo”.
Quanto aos não-ricos, às vezes eles são chamados de precariado: o proletariado que  vive uma existência precária na periferia da sociedade. A “periferia”, no entanto, se tornou uma proporção significativa da população nos Estados Unidos e outros países.
Então temos a plutonomia e o precariado: o 1% e os 99%, como vê o Occupy. Não são números exatos, mas é a imagem certa.
A mudança histórica na confiança do povo sobre o futuro é um reflexo de tendências que poderiam se tornar irreversíveis. Os protestos do Occupy são a primeira grande reação popular que poderiam mudar a dinâmica das coisas.
Ative-me a questões internas. Mas há dois acontecimentos perigosos no cenário internacional que ofuscam todo o resto.
Pela primeira vez na História da humanidade, existem ameaças reais à sobrevivência da espécie humana. Desde 1945 temos armas nucleares, e parece um milagre que tenhamos sobrevivido a elas. Mas as políticas da administração Obama e seus aliados estão encorajando a escalada.
A outra ameaça, claro, é a catástrofe ambiental. Praticamente todos os países do mundo estão tomando pelo menos medidas hesitantes para fazer algo a respeito. Os Estados Unidos estão dando passos para trás. Um sistema de propaganda abertamente reconhecido pela comunidade empresarial declara que a mudança climática não passa de um embuste dos liberais: por que dar atenção a esses cientistas?
Se essa intransigência continuar no país mais rico e poderoso do mundo, a catástrofe não poderá ser evitada.
Algo precisa ser feito de uma forma disciplinada e contínua, e rápido. Não será fácil. Haverá dificuldades e fracassos, é inevitável. Mas a menos que o processo que está ocorrendo aqui e em outras partes do país e no resto do mundo continue a crescer e se torne uma grande força na sociedade e na política, as chances de termos um futuro decente são ínfimas.
Não se conseguem iniciativas significativas sem uma base popular ampla e ativa. É necessário sair por todo o país e ajudar as pessoas a entenderem do que se trata o movimento Occupy – o que elas mesmas podem fazer, e quais são as consequências de não se fazer nada.
Organizar uma base como essa envolve educação e ativismo. Educação não significa dizer às pessoas no que elas devem acreditar – significa aprender com elas.
Karl Marx disse, “A tarefa não é somente entender o mundo, e sim mudá-lo”. Uma variante que se pode ter em mente é que se você quer mudar o mundo, é melhor tentar entendê-lo. Isso não significa assistir a uma palestra ou ler um livro, embora isso às vezes ajude. Você aprende ao participar. Você aprende com os outros. Você aprende com as pessoas que você está tentando organizar. Todos temos de adquirir compreensão e experiência antes de formular e implementar ideias.
O aspecto mais interessante do movimento Occupy é a construção dos vínculos que estão ocorrendo em todo lugar. Se eles puderem se manter e se expandir, o Occupy pode levar a esforços destinados a colocar a sociedade em uma rota mais humana.

FONTE: NOAM CHOMSKY
Noam Chomsky é um dos mais importantes linguistas do século 20 e escreve sobre questões internacionais. - Tradutor: Lana Lim