sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Escola de Frankfurt: Crítica à sociedade de comunicação de massa


Qual é a influência de meios de comunicação de massa, como a TV, sobre uma sociedade? Como as pessoas são mobilizadas a acompanharem um noticiário como se estivessem assistindo a uma telenovela? Os primeiros filósofos que detectarem a dissolução das fronteiras entre informação, consumo, entretenimento e política, ocasionada pela mídia, bem como seus efeitos nocivos na formação crítica de uma sociedade, foram os pensadores da Escola de Frankfurt.

Max Horkheimer (1895-1973) e Theodor W. Adorno (1903-1969) são os principais representantes da escola, fundada em 1924 na Universidade de Frankfurt, na Alemanha. No local, um conjunto de teóricos, entre eles Walter Benjamin (1892-1940), Jürgen Habermas (1929), Herbert Marcuse (1898-1979) e Erich Fromm (1900-1980), desenvolveram estudos de orientação marxista.

Os estudos dos filósofos de Frankfurt ficaram conhecidos como Teoria Crítica, que se contrapõe à Teoria Tradicional. A diferença é que enquanto a tradicional é "neutra" em seu uso, a crítica busca analisar as condições sociopolíticas e econômicas de sua aplicação, visando à transformação da realidade. Um exemplo de como isso funciona é a análise dos meios de comunicação caracterizados como indústria cultural.

Indústria cultural

Em um texto clássico escrito em 1947, "Dialética do Iluminismo", Adorno e Horkheimer definiram indústria cultural como um sistema político e econômico que tem por finalidade produzir bens de cultura - filmes, livros, música popular, programas de TV etc. - como mercadorias e como estratégia de controle social.

A ideia é a seguinte: os meios de comunicação de massa, como TV, rádio, jornais e portais da Internet, são propriedades de algumas empresas, que possuem interesse em obter lucros e manter o sistema econômico vigente que as permitem continuarem lucrando. Portanto, vendem-se filmes e seriados norte-americanos, músicas (funk, pagode, sertaneja etc) e novelas não como bens artísticos ou culturais, mas como produtos de consumo que, neste aspecto, em nada se diferenciariam de sapatos ou sabão em pó. Com isso, ao invés de contribuírem para formar cidadãos críticos, manteriam as pessoas "alienadas" da realidade.

Como afirmam no texto: "Filmes e rádio não têm mais necessidade de serem empacotados como arte. A verdade, cujo nome real é negócio, serve-lhes de ideologia. Esta deverá legitimar os refugos que de propósito produzem. Filme e rádio se autodefinem como indústrias, e as cifras publicadas dos rendimentos de seus diretores-gerais tiram qualquer dúvida sobre a necessidade social de seus produtos."

Para Adorno, os receptores das mensagens dos meios de comunicação seriam vítimas dessa indústria. Eles teriam o gosto padronizado e seriam induzidos a consumir produtos de baixa qualidade. Por essa razão, indústria cultural substitui o termo cultura de massa, pois não se trata de uma cultura popular representada em novelas da Rede Globo, por exemplo, mas de uma ideologia imposta às pessoas.

Dominação política

E como a indústria cultural torna-se mecanismo de dominação política? Adorno e Horkheimer vislumbraram os meios de comunicação de massa como uma perversão dos ideais iluministas do século 18. Para o Iluminismo, o progresso da razão e da tecnologia iria libertar o homem das crenças mitológicas e superstições, resultando numa sociedade mais livre e democrática.

Mas os pensadores da Escola de Frankfurt, que eram judeus, se viram alvos da campanha nazista com a chegada de Hitler ao poder nos anos 30, na Alemanha. Com apoio de uma máquina de propaganda que pela primeira vez usou em larga escala os meios de comunicação como instrumentos ideológicos, o nazismo era uma prova de como a racionalidade técnica, que no Iluminismo serviria para libertar o homem, estava escravizando o indivíduo na sociedade moderna.

Nas mãos de um poder econômico e político, a tecnologia e a ciência seriam empregadas para impedir que as pessoas tomassem consciência de suas condições de desigualdade. Um trabalhador que em seu horário de lazer deveria ler bons livros, ir ao teatro ou a concertos musicais, tornando-se uma pessoa mais culta, questionadora e engajada politicamente, chega em casa e senta-se à frente da TV para esquecer seus problemas, absorvendo a mesmos valores que predominam em sua rotina de trabalho. É desta forma que a indústria cultural exerceria controle sobre a massa. Como resultado, ao invés de cidadãos conscientes, teríamos apenas consumidores passivos.


Totalitarismo eletrônico

Posteriormente, entre os anos 70 e 80, os frankfurtianos foram muito criticados por uma visão reducionista dos receptores, graças a pesquisas que demonstraram que as pessoas não são tão manipuláveis quanto Adorno pensava na época. Além disso, nem toda produção cultural se resume à indústria. Nas histórias em quadrinhos, por exemplo, temos Disney e Maurício de Souza, mas temos também quadrinhos alternativos e autorais.

Apesar disso, Adorno e Horkheimer tiveram o mérito de serem os precursores da denúncia de um "totalitarismo eletrônico", em que diversão e assuntos importantes são "mixados" num só produto; em que representantes políticos são escolhidos como se fossem sabonetes. Neste sentido, a crítica permanece atual.


Fonte:

José Renato Salatiel, Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação é jornalista e professor universitário
Assoum, Paul-Laurent. (1991). "A Escola de Frankfurt". São Paulo: Ática.
Horkheimer, M.; Adorno, T.W.; Habermas, J. (1975). "Textos Escolhidos". Coleção "Os Pensadores". São Paulo: Abril Cultural.
Matos, Olgária C. F. (2006). "A Escola de Frankfurt: luzes e sombras do Iluminismo". São Paulo: Moderna.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Parmênides



Nascido por volta do ano de 515 a.C., na cidade de Éleia, ao sul da Magna Grécia (Itália), Parmênides é considerado pelos historiadores da Filosofia como o pensador do imobilismo universal.

Em seu poema, Parmênides narra o que disse ter ouvido das musas que por uma carruagem puxada por corsas, conduzem-no à luz da verdade (alethéia). A verdade é, pois, o caminho do pensamento, já que o ser, o que existe é tudo aquilo que pode ser pensado. Dessa forma, o que não é, o não ser, o que não existe, não pode ser pensado nem, portanto, dito, sendo este um caminho ilusório.

A via da verdade é o pensamento que Parmênides identifica com o ser. Mas o ser para existir tem de ser dito, logo, há uma identidade entre SER, PENSAR E DIZER. Sendo a verdade exclusiva dos deuses, entre os mortais há a via da opinião (dóxa), causada pelas ilusões dos nossos sentidos.

Hoje podemos dizer que a ontologia (estudo sobre o ser) de Parmênides refere-se a uma lógica material, como se o discurso estivesse compactado à experiência física. Assim, podemos ver porque ele disse que “o ser é, o não ser não é”. O filósofo apontava para unicidade do ser acreditando que toda forma de movimento era ilusória (e só Newton, no séc.XVIII, com a física conseguiu resolver esse problema!).

Parmênides julgava o ser uno, imóvel, indestrutível, ingênito (isto é, incriado, não nascido, não gerado) e eterno. Segundo seu modo de pensar, o não ser, o nada não existe e não pode ser nem dito nem pensado. Portanto, o ser não pode ter surgido, porque ou teria surgido do nada, o que é impossível, ou teria surgido de outro ser, justificando que o ser já era e sempre será; logo, é eterno. Nem também o ser pode se movimentar, pois se se altera (o movimento em grego era tido como deslocamento, crescimento, diminuição e alteração) será outro ser, mesmo continuando a ser e, por isso, dois seres são impensáveis, apenas um ser é pensável. E se não foi criado, nem gerado, também não pode ser destruído, já que se destruído, algo ficará e assim permanecerá sendo.

Por mais que se possa acreditar que Parmênides seja o iniciador da lógica, sua lógica ainda é vinculada à ontologia, isto é, ao ser, não podendo ser considerada formal. Em linguagem moderna, poderíamos dizer que Parmênides fala da MATÉRIA, amorfa, de modo geral e que tudo o que existe é matéria, não podendo existir o vácuo nem o vazio. E que apesar das suas mudanças em vários elementos, substâncias, coisas e pessoas, ela, a matéria, é o princípio uno e total, causa de toda a realidade.

Pode-se também pensar que a filosofia de Parmênides, isto é, a do imobilismo universal ou teoria do repouso absoluto, foi usada pelas tradições religiosas (principalmente a cristã) para descrever Deus e o céu. Notem que, em geral, os mortos são enterrados com máximas que dizem: “Aqui jaz (repousa) fulano...”. Deus seria esse princípio Uno e Todo sem partes divididas ou vazias que deveria ser compreendido, através do pensamento, como princípio de todo o conhecimento. É também interessante notar como a identidade entre SER e PENSAMENTO e LINGUAGEM, de Parmênides também associa-se com a tradição do Antigo Testamento. Neste, Deus se revela como o VERBO. Em grego, o verbo é o LÓGOS, é palavra, discurso e razão. E se para Parmênides o lógos é também o pensar e o ser, então é a divindade que fala e que fornece a base para conhecermos, isto é, a via da verdade é a razão, o lógos divino. Por isso, Parmênides concebe o ser de forma circular, pois é, entre os gregos, a forma da perfeição.


Fonte:

João Francisco P. Cabral 
Colaborador Brasil Escola 

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Heráclito de Éfeso



Para Heráclito de Éfeso, nascido por volta de 540 a.C., tudo o que existe está em permanente mudança ou transformação. A essa incessante alteração deu o nome de DEVIR.

O mundo, segundo Heráclito, é um fluxo permanente em que nada permanece idêntico a si mesmo. Tudo se transforma no seu contrário. “A guerra é mãe e rainha de todas as coisas”. É da luta entre os contrários, ou seja, do devir, do tornar-se, do vir-a-ser, que eles se harmonizam numa unidade. O Lógos (razão, discurso sobre o ser) é mudança e contradição.

Isso significa que a verdade é dialética, isto é, as palavras dizem as coisas em sua eterna transformação. Os nossos sentidos enganam-nos, pois enxergamos as coisas imóveis, estáveis, com uma forma própria e determinada. Porém, nosso pensamento capta a instabilidade e mutabilidade dos seres. “É impossível entrar no mesmo rio duas vezes”. As águas já são outras e nós já não somos os mesmos.

É na síntese entre os pares de contrários (o dia que se torna noite que se torna dia novamente; a vida que se torna morte e vice-versa; o quente que se torna frio e o frio que se torna quente; o seco que umedece, o úmido que seca, etc.), da multiplicidade contraditória que surge a unidade dialética que nos permite algum conhecimento, ainda que passageiro.

O Obscuro, como era conhecido Heráclito, concebeu o FOGO como o princípio eterno que causa a mudança e concebe Deus como a harmonia ou síntese entre os contrários. É uma concepção de realidade que permite compreender o mundo somente no seu devir e na unidade dos opostos. Quer dizer que a doença torna valorosa a saúde e que jamais entenderíamos o significado da justiça se não houvesse a ofensa. O sentido, o significado está na harmonia, na conciliação entre os vários pares de contrários.

Por isso, é muito provável que a imagem do inferno criada pela Igreja Católica e pelos artistas ocidentais tenham referência à filosofia heraclitiana. Isso porque o fogo que significa mudança, instabilidade se opõe radicalmente ao ar que representa o céu, o repouso em que Deus é fonte confiável do conhecimento e da ordem.

Por isso também, em geral, os movimentos contra a ordem estabelecida no decorrer da história (como o comunismo contra o capitalismo; o rock contra a sociedade consumista e alienada, o feminismo, etc.) fazem reverência à mudança, ao vermelho (fogo) e ao diabo, pois sua intenção é promover a instabilidade contra os sistemas.

É interessante observar como a filosofia de Heráclito permanece atual. No que se refere à matéria, essa é mutável e concebida pelos cientistas como eternamente em transformação (como afirmou o químico Lavoisier no século XVIII, “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”). A atualidade de seu pensamento também pode ser observada no Princípio da incerteza de Heisenberg, físico que ajudou a desenvolver a mecânica quântica no século XX, que diz ser impossível afirmar com exatidão a posição de um elétron em um átomo em razão da metodologia de aferição.
Também podemos observar o Devir em nosso próprio metabolismo, pois constantemente estamos incrementando matéria ao nosso corpo (alimentação que permite o crescimento) e o desgaste físico com a idade (que é a perda de matéria).

Assim, concebe-se o pensamento de Heráclito como a base do materialismo, ou seja, da filosofia que concebe como unicamente existente, em todos os níveis, a matéria.


Fonte:

João Francisco P. Cabral 
Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU 
Mestrando em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP