sábado, 17 de novembro de 2012

Nietzsche: muito além da razão


Friedrich Nietzsche era formado em filologia clássica e não em filosofia. Tornou-se filósofo, segundo ele mesmo diz, devido à leitura de Schopenhauer. Concorda com a visão de mundo deste filósofo em três questões essenciais: a) a inexistência de Deus; b) a inexistência de alma; c) a falta de sentido da vida, que se constitui de sofrimento e luta, impelida por uma força irracional, que podemos chamar de vontade.

No entanto, ao contrário de Schopenhauer, Nietzsche não vê a realidade repartida em duas, o fenômeno e a coisa em si. Considera que este mundo é a única parte da realidade e que não devemos rejeitá-lo ou nos afastarmos dele, mas viver nele com plenitude. Ele realiza uma análise crítica dos elementos subjacentes à tradição moral hegemônica no Ocidente e procura caracterizar uma Filosofia e uma educação a serviço da singularização voltada para a construção de um homem universal; e as que se colocam a serviço da subjetivação, atentas ao anseio da subjetividade, centradas no homem como ser concreto, abstraindo a natureza humana. Como, porém, fazer isso num mundo sem Deus e sem sentido?

Nietzsche começa a resolver o problema fazendo um ataque à moral e aos valores existentes na sociedade que lhe é contemporânea. Segundo o filósofo, esses valores derivam de civilizações já inexistentes, como a grega e a judaica, e de religiões em que muitos - senão a maioria - já não têm fé. Precisamos, portanto, de uma nova base para assentar nossos valores.

Justiça dos fracos

A civilização, de acordo com o Nietzsche, foi criada pelos fortes, pelos inteligentes, pelos homens competentes, os líderes que se destacaram da massa. Moralistas como Sócrates e Jesus, porém, negaram essa realidade em nome dos fracos.

Propagando uma moral que protegia os fracos dos fortes, os mansos dos ousados, que valorizava a justiça em vez da força, eles inverteram os processos pelos quais o homem se elevou acima dos animais e exaltaram como virtudes características típicas de escravos: abnegação, auto-sacrifício, colocar a vida a serviço dos outros.


"Super-homem"

Considerando que tais valores não têm origem divina ou transcendente, Nietzsche afirma que somos livres para negá-los e escolher nossos próprios valores. Ao "tu deves" devemos responder com o "eu quero". É a vontade de poder que permite ao indivíduo que se autoelege desenvolver seu potencial máximo de modo a tornar-se um super-homem ou um ser além-do-homem - isto é, que se coloca acima da massa.

Nietzsche identifica o "super-homem" em personagens como Napoleão, Lutero, Goethe e até mesmo Sócrates (não por suas ideias, mas pela coragem de levá-las às últimas consequências). Enfim, no líder que tem vontade de poder, que ousa tornar-se o que realmente é. É assim que se afirma a vida e se pode atingir a auto-realização.


Naturalmente, o filósofo sabe que isso não vai abolir os conflitos e nem se preocupa com isso, pois considera os conflitos como um estímulo. De resto, querer abolir a competição, a derrota e o sofrimento é o mesmo que pretender abolir a lei da gravidade.



Desafio e resposta

O pensamento nietzschiano pode ser avaliado sob duas perspectivas. Por um lado, ele postula um supremo desafio ético ao propor uma reavaliação radical dos valores morais da humanidade. Nesse sentido, ele apresentou o problema sobre o qual iriam se debruçar muitos filósofos do século 20, a partir dos existencialistas.

Por outro, a resposta que ele propõe a esse desafio - marcada pelo individualismo e pela "lei do mais forte" (que pode ser também o mais inteligente ou o mais talentoso) - desaguou no nazi-fascismo, que se apropriou de suas ideias e o usou em sua propaganda. No encontro histórico de Mussolini e Hitler, em 1938, o líder alemão presenteou o italiano com uma coleção das obras de Nietzsche. Convém lembrar, porém, que o filósofo já em sua época ridicularizava o nacionalismo alemão. Quanto ao seu propalado anti-semitismo, pode ser desmentido por um de seus próprios aforismos: "Os anti-semitas não perdoam os judeus por terem intelecto e dinheiro. Anti-semita: outro nome para 'roto e esfarrapado'".

Não se pode falar de Nietzsche sem comentar o aspecto literário de sua obra. A maioria de seus livros não é escrita no tipo de prosa dissertativa característica da filosofia, com argumentos e contra-argumentos expostos na íntegra. Ao contrário, estão sob a forma fragmentária de aforismos e parágrafos numerados separadamente, ou ainda como epigramas ou na linguagem dos textos religiosos, como se vê em uma de suas obras mais conhecidas: "Assim falou Zaratustra".



Fontes:

educacao.uol.com.br
fflch.usp.br/df/gen/


segunda-feira, 5 de novembro de 2012

O mundo de Schopenhauer



Schopenhauer viveu de 1788 a 1860. Nascido em Danzig, Prússia, lecionou de 1820 a 1831, ano em que abandonou as salas de aula. Escreveu sua obra prima aos 30 anos, “O Mundo como Vontade e Representação”, mas não obteve sucesso na maior parte de sua vida. Mudou para Frankfurt, onde ficou até sua morte. Só obteve reconhecimento em seus últimos dias, o livro “Parerga e Paralipomena”, uma compilação de aforismos escritos de maneira cativante e popular, foi publicado.


Com sua personalidade forte e palavras amargas sobre o filósofo Hegel, ganhou antipatia no mundo acadêmico. Schopenhauer chegou a dizer que Hegel era um “charlatão de mente obtusa, banal, nauseabundo, iletrado (…)”. Outro motivo que provavelmente foi crucial para seu insucesso foi a audácia de abrir sua filosofia aos pensamentos orientais. Schopenhauer foi o primeiro pensador ocidental a fazer isto, agregou ensinamentos do Budismo e do Hinduísmo em seus estudos.
Para Schopenhauer, o mundo é uma representação individual. Em suas próprias palavras: “O mundo é a minha representação: eis uma verdade que vale para cada ser vivente e cognoscitivo*, mesmo se somente o homem é capaz de acolhe-la na sua consciência reflexa e abstrata; e quando ele verdadeiramente o faz, a meditação filosófica nele penetrou”.

Schopenhauer falava da relação entre sonhos e realidade. Para ele, seria impossível distinguir as duas condições. A vida seria um sonho muito longo, interrompido durante a noite por outros sonhos curtos. “Nós temos sonhos; não é talvez toda a vida um sonho? Mais precisamente: existe um critério seguro para distinguir sonho e realidade, fantasmas e objetos reais?”, afirma Schopenhauer. O filósofo ainda discutia o porquê de todo ser humano ter a vontade de continuar vivendo. Qual seria o princípio a impelir os homens à continuação da vida e da espécie? Chegou a conclusão de que nosso corpo é o único objeto que conseguimos conhecer no universo, pois não o reconhecemos de fora, mas sim de dentro. Assim, diz que o Eu é a própria vontade de viver. Segundo ele, nosso instinto de sobrevivência é cego, mesmo sabendo que o que nos aguarda é a morte certa, nós continuamos a buscar a sobrevivência.

Em suas palavras: “São dessa natureza os esforços e os desejos humanos que nos fazem vibrar diante da sua realização como se fossem o fim último da nossa vontade; mas depois de satisfeitos mudam de fisionomia”.

Outro tema polêmico levantado por Schopenhauer é o sexo. Em suas obras, deixa claro que o amor é apenas um truque da natureza na tentativa de preservar a espécie humana. Sendo este mundo um vale de lágrimas, a natureza ligou o orgasmo ao acasalamento, assim, no ato sexual, consegue abstrair a culpa do ser humano quando este faz nascer um novo espécime.

“(…) todo enamoramento, depois do gozo finalmente alcançado, experimenta uma estranha desilusão e se surpreende de que aquilo que tão ardentemente desejou não ofereça nada mais do que qualquer outra satisfação sexual (…)”. Sua obra ainda observa outros pontos como a negação da vontade de viver, que só seria conseguida com a nolontade (não-vontade). Ele indica, como fonte para chegarmos ao estado sublime de felicidade (Nirvana), a fuga da realidade com silêncio, jejum, castidade e uma renúncia sistemática de tudo que é real.

Sua obra influenciou Freud e Nietzche, que o alcunhou o “cavaleiro solitário”. Schopenhauer morreu aos 72 anos vítima de uma pneumonia.

Apenas para definir melhor a figura de cavaleiro solitário de Schopenhauer, segue abaixo um texto que comprova sua acidez, um excerto que consegue, ao mesmo tempo, nos fazer refletir e querer esquecer tudo que acabamos de ler.

“A mais rica biblioteca, quando desorganizada, não é tão proveitosa quanto uma bastante modesta, mas bem ordenada. Da mesma maneira, uma grande quantidade de conhecimentos, quando não foi elaborada por um pensamento próprio, tem muito menos valor do que uma quantidade bem mais limitada, que, no entanto, foi devidamente assimilada”.

*Cognoscitivo = referente ao conhecimento e ao aprendizado.



Fontes:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Arthur_Schopenhauer
Nicola, Ubaldo. Antologia Ilustrada de Filosofia: Das origens à idade moderna. São Paulo: Editora Globo, 2005.
Schopenhauer, Arthur. A Arte de Escrever. São Paulo: Editora L&PM, 2009. Dicionário Michaelis