sexta-feira, 1 de abril de 2011

Conhece-te a ti mesmo (Gnôthi Seautón)

#Sócrates é tratado como um verdadeiro divisor de águas na Filosofia Antiga, tanto que os filósofos anteriores a ele são popularmente citados como pré-socráticos.

Evidentemente, com Sócrates há uma alteração importante no foco das reflexões filosóficas sobre o sujeito e a verdade. Os seus antecessores, por assim dizer, estavam muito mais interessados em descobrir o fundamento (arké) de todas as coisas. Sócrates, por sua vez, está mais envolvido em nossa relação com os outros e com o mundo.

Inusitadamente, Sócrates não escreveu nada - e tudo o que se sabe sobre ele “devemos” a seus discípulos, especialmente Platão. Sócrates teria tomado a inscrição da entrada do templo de Delfos como inspiração para desenvolver sua filosofia: Conhece-te a ti mesmo.

Para um bom entendimento sobre o sentido dessa frase, de acordo com o filósofo francês Michel Foucault (1926 - 1984), devemos inscrevê-la em uma visão mais ampla do cuidado de si.

Sócrates ensinava que nós devemos nos incomodar menos com as coisas (riqueza, fama, poder) e passarmos a nos interessar por nós mesmos. Mas, com que objetivo deveria ocupar-me comigo mesmo? Porque é o caminho que me permite ter acesso à verdade. Mas que tipo de verdade? Obviamente não é uma verdade qualquer, tal como a fórmula química da água, mas a verdade que é capaz de transformá-lo no seu próprio ser de sujeito.

É esse ato de conhecimento, capaz de promover nossa autotranscendência, de que fala Sócrates. Conhecer a mim mesmo para saber como modificar minha relação para comigo, com os outros e com o mundo.

A expressão geradora das problemáticas acerca do “antagonismo”: sujeito X verdade. Noção marginal que permeia o pensamento grego. A Epiméleia heautoû (o cuidado de si).

De acordo com Roscher o “conhece-te a ti mesmo” se pauta pelo Medén ágan (nada em demasia) quer dizer: tu que vens consultar não coloques questões demais, não coloques senão questões úteis que queres colocar; e pela noção de engýe (cauções), quando vens consultar os deuses, não faças promessas, não te comprometas com coisas ou compromissos que não podes honrar.

Sócrates se mostra como aquele que, essencialmente, de modo fundamental e originário, tem por missão, sentido e incumbência, incitar os outros a se ocuparem consigo mesmos, a terem extremos cuidados consigo e a não descuidarem, de forma alguma, de si.

“Atenienses, eu vos sou reconhecido e vos amo; mas obedecerei antes ao deus que a vós; enquanto tiver alento e puder fazê-lo, estejais seguros que jamais deixarei de filosofar, de vos [exortar], de ministrar ensinamentos àquele que dentre vós eu encontrar.”

Estudando bem a Hermenêutica do Sujeito de Foucault, pude identificar três aspectos importantes da atividade socrática:

- Ao incitar os outros a se ocuparem consigo, Sócrates cumpre uma ordem que lhe foi fixada pelos deuses;

- Ao se ocupar com os outros, Sócrates está negligenciando a si mesmo;

- Sócrates diz que, na atividade que consiste em incitar os outros a se ocuparem consigo mesmos, ele desempenha, relativamente a seus concidadãos, o papel daquele que desperta.

Me parece que a Epiméleia heautoû ( o cuidado de si e a regra que lhe era associada) não cessou de constituir um fundamento básico para evidenciar a atitude filosófica ao longo de quase toda a tradição grega, helenística e romana.

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