sábado, 9 de abril de 2011

Nada além de Kafka

#A expressão literária de Kafka constitui a consolidação das pressões sociais numa alma pequeno-burguesa, isso é evidente na sua dualidade: profissionalmente é gerente de uma companhia de seguros, e subjetivamente é um intelectual, um artista.

O nada existente entre esse “desdobramento” foi preenchido pelo conflito. Essa antinomia é marca de sua existência, fazendo dele um tipo introvertido. Nasce daí, seu estilo alegórico e o tema da “incomunicabilidade” entre os humanos, vivido por José K. no “O Processo” e pelo agrimensor no “O Castelo”.

"Só podia encontrar a felicidade se conseguisse subverter o mundo para o fazer entrar no verdadeiro, no puro, no imutável."

Legitima-se essa atitude postura reservada, pois ele, como intelectual, é observado com suspeita pelo seu próprio grupo social e familiar, por esses burgueses rotineiros que compensam suas frustrações cotidianas no culto fetichista do cheque bancário que lhes assegura a estabilidade financeira, da religião, que garante um passe livre ao céu e do Estado, supremo protetor de suas propriedades.

Franz Kafka se depara com uma estrutura social que impõe como “anomalia” toda atividade que não vise um lucro, não propicie uma felicidade relevante, como a do escritor que faz profissão do mental e do “ocioso”, num mundo de valores pragmáticos e numéricos.

"Há esperanças, menos para nós."

O drama de F. Kafka é o drama de um membro de uma família pequeno-burguesa.

Essa “incomunicabilidade” em Kafka não é uma vertente abstrata de caráter extraterreno, ela pertence à “contingência”, “ao cotidiano” da vida de cada um. É um “recurso” literário e artístico refinado como conseqüência do seu antagonismo com relação ao Pai. De acordo com seu próprio testemunho, toda sua obra nasce do conflito com seu pai. O pai, um tipo bonachão, audacioso, de temperamento brutal e dominador, o filho, o oposto: um “intelectual”, um contemplativo.

A incomunicabilidade leva à guerra de caracteres; daí emerge uma luta surda e Kafka se sente como um criminoso que espia um crime que não cometeu.

A mesma sensação de esmagamento que José K. sente ao encarar o Tribunal, de um criminoso sem culpa formada e formalizada, julgado sem saber por quem e condenado sem saber como.

Seria uma espécie de antevisão kafkiana da tragédia judaica no processo da 2ª guerra mundial, - a de perseguidos sem culpa, pela onda totalitária.

Entretanto, deve-se ressaltar que seu desligamento de um grupo social ascendente impediu Kafka de conduzir sua obra a uma espécie de tomada de consciência da realidade universal e ao mesmo tempo particular: a do homem do século XX, entre duas guerras.

"Não desesperes, nem sequer pelo fato de que não desesperas. Quando tudo parece findo, surgem novas forças. Isto significa que vives."

Evidentemente, essa unilateralidade sociológica é compensada por qualidades pessoais: o sentido kafkiano da arte como prática vital e sua sensibilidade de discernir o que há de trágico e agrotesco no cotidiano do homem moderno.

Se O Processo é o retrato da destruição da personalidade humana perante um Estado totalitário e impessoal, América é uma critica severa a uma civilização que considera como ideais de vida, a televisão, a geladeira ou o automóvel.

Nenhum comentário:

Postar um comentário